quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Um ato de amor a Natal



No dia 15 de fevereiro de 2012, estudantes e trabalhadores ocuparam as vias que circundam a Câmara dos Vereadores de Natal, com a intenção de fazer um protesto lúdico no horário em que normalmente as atividades da casa voltariam a funcionar, às 16h.

Mas, a solenidade teve o seu horário alterado para a parte da manhã. Ônibus carregados vindos de currais e cargos comissionados presenciaram uma festa que mereceu comparações com "O Bem Amado". Aliás, esse cenário é muito bem reproduzido neste texto.

Os manifestantes cobravam as medidas cabíveis aos muitos atos de improbidade administrativa detectados na CEI dos Contratos e o julgamento célere dos envolvidos em esquemas de corrupção, como as operações Hygia e Impacto.

Tudo ocorreu em tranquilidade, até que, à tarde, o bloco carnavalesco sofreu dura repressão policial. O vídeo flagra do início ao fim da presença de policiais militares e guardas municipais, que se viram incapazes de seguir a decisão inicial de levar preso um dos membros da manifestação, sob alegação de que o mesmo estaria agindo de "maneira suspeita".



Enquanto os militantes se utilizaram de recursos pacíficos para evitar qualquer tipo de confronto, a PM os tratou de maneira desrespeitosa e preconceituosa, munida de armas de fogo e de balas de borracha, além dos muito usados spray de pimenta e cacetetes.

Eram cerca de 15 viaturas da Polícia Militar e um número, no mínimo, quatro vezes maior em meio a estudantes, trabalhadores, militantes com sede e com fome de ética, de justiça, de mudança, de lógica, de igualdade, de democracia...

E recorrendo à resistência pacífica, os manifestantes aos poucos sentaram-se, como nos tempos em que bravamente ocuparam por 11 dias a Câmara Municipal do Natal, em junho do ano passado. Em cortejo, lembraram as muitas denúncias até chegar ao Beco da Lama, em mais um protesto simbólico.

Isso só demonstra que o movimento não se calou, tampouco se desfez. Os movimentos sociais, ao contrário do que alguns imaginam, estão se unindo e se fortalecendo cada vez mais.




fotos por Lenilton Lima

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Seremos sempre rebeldes, sempre!

Texto por Gregório Bezerra


Venho através desta nota de esclarecimento relatar alguns acontecimentos que presenciei no dia 26.01.12, envolvendo membros da Administração Pública direta, inclusive a prefeita Micarla de Sousa, acontecimentos esses que nos envergonham e provoca em todos nós, cidadãos natalenses, extrema indignação. Queria muito ser breve, mas pena que a relevância dos fatos não me permite ser conciso, pois se fossem receber a dimensão devida não caberia em um livro, sequer em alguns parágrafos. 

Fiquei sabendo através dos moradores da comunidade do Leningrado, na qual participo cotidianamente de atividades em defesa dos direitos humanos em atuação pelo Programa Lições de Cidadania da UFRN, que na quinta feira, dia 26.01.12, a prefeita iria ao terminal do Guarapes, zona oeste de Natal, inaugurar um circular da nova linha de ônibus 599, que desde a segunda-feira da mesma semana faz a ligação entre os bairros Guarapes e Planalto, atendendo especialmente as comunidades do Leningrado e Santa Clara. 

Então, quando chegamos ao Local por volta das 9:00hs, eu e outros 5 estudantes do Programa, nos deparamos com alguns populares, líderes comunitários e sindicalistas que aguardavam ansiosos a chegada da Prefeita. O tempo correu e em vez da Prefeita, chega a sua equipe, que contava dentre outros, com os seus assessores de gabinete Luiz Antônio (secretário adjunto do Gabinete Civil) e Patrícia Castro, e o secretário adjunto da Semob, Jefferson Pedroza (alguns desses já se encontravam no local desde a nossa chegada). Parecia uma espécie de fiscalização para a preparação de uma emocionante cena de teatro, em que a prefeita daria um grande presente aos moradores daquela região, pois assim foi divulgado pelas tradicionais mídias da nossa cidade: ”Comunidade do Leningrado ganha linha circular”.

Entretanto, sabemos que direitos não são favores ou sequer caridade. O transporte público, assim como a educação, saúde, moradia, segurança, cultura e lazer são direitos humanos fundamentais: essenciais para que qualquer ser humano possa ter uma vida digna. Justamente por isso, estão elencados com tamanha relevância na Lei suprema da Nação, a nossa louvável Constituição Federal de 1988. Com essa consciência crítica, alguns moradores da comunidade do Leningrado juntamente com os estudantes do Lições de Cidadania, preparam cartazes para manifestarem parte da sua indignação frente aos demais descasos da Administração Pública natalense, fazendo jus aos mais de 90% de índice de reprovação da gestão Micarla de Sousa: “Prefeita, estamos esperando há mais de 7 anos saúde e educação no Leningrado!”, “Precisamos de segurança no Leningrado”, “Não basta um circular, queremos dignidade”, “Transporte não é favor, é direito!”.

Ao percebem a movimentação de cartazes e sindicalistas, a equipe da prefeita compreendeu que a grande cena não iria ser como planejaram e fantasiaram, pois ali havia intrusos, estranhos, outros protagonistas, o POVO: gente indignada cheia de insatisfação e questionamentos: “por que só agora, faltando menos de um ano para o fim do mandato chegou esse transporte?” “Será que é porque é ano de eleição?” “Será que é porque ela acha que vai comprar a gente com isso?” “Ou será que é porque ela deve inaugurar todas as linhas de ônibus?”, “Coincidência?”. Tenho certeza que não.

Colocando os pés no chão ou nos buracos, que não são poucos e, percebendo que a prefeita não iria levar o mérito da boa samaritana diante daquela situação de “extremo risco”, pois ali estava o povo e com cartazes nas mãos, vale salientar, a sua equipe preferiu mudar o local da recepção de última hora, naquele instante, sem dar sequer satisfação àqueles que se dizem seus representados, para não expor a prefeita a esse grande constrangimento. Desse modo, entramos no circular que iria ser inaugurado, que a princípio só iria levar ao novo lugar de recepção da prefeita a equipe Micarla, e fomos até a Rua Maranta próximo ao conjunto Leningrado. 

Ao chegarmos ao novo local, era visível o incômodo do Secretário Luiz Antônio com a presença dos intrusos, nós, povo. Fomos ao seu encontro para saber: por que a nossa presença estava gerando tamanho desespero e desconforto naquele agente político? Então ele disse: “Porque esse não é objetivo da nossa recepção, a prefeita não pode se expor dessa forma, isso é baderna, não é indo para as ruas que vocês conseguem alguma coisa, vocês têm é que marcar uma reunião pelas vias institucionais”. Então quer dizer o povo pode se expor ao abandono e ao esquecimento? Quer dizer que agora o povo tem que agendar dia e hora com aqueles que se dizem “seus representantes” para protestar contra eles? Quer dizer que o cidadão precisa de autorização para ir às ruas reivindicar os seus direitos? Óbvio que não! Infeliz fala do assessor, pois dissemos a ele que acima da autoridade que nossos gestores representam, existe a Constituição Federal, que nos garante o direito de ir às ruas, protestar e manifestar a nossa opinião, pois é assim que a luta histórica nos ensinou a efetivar e concretizar direitos.

Assim, chegou à grande hora, a hora em que chegou a prefeita. Micarla não chegou sozinha, chegou com muitos seguranças em trajes civis e alguns carros da prefeitura com pessoas que pareciam ser contratadas para puxar aplausos como naqueles filmes de comédia: “viva a prefeita. Viva!” Então entrou no ônibus e fez aquilo que todo político demagogo faz: “Blá, blá, blá... Blá, blá, blá...” e assim por diante. Contudo, “a volta” foi curta, durou pouquíssimos minutos o percurso de encenação, mas deu pra garantir boas fotos para as mídias tradicionais. 

Quando o ônibus parou, descemos antes da prefeita e abrimos os cartazes para recepcioná-la. Em seguida a perguntei o porquê de tamanho descaso com a comunidade do Leningrado. E a Prefeita Micarla de Sousa respondeu com outra pergunta: “E vocês moram lá?”. Então quer dizer que por não morar no lugar, não posso como cidadão lutar pela minha cidade, por dias melhores pelo povo do qual eu faço parte, pelo outro que reconheço como igual que somos?! Dessa forma, não preciso mais me prolongar, pois com atitude de tamanha falta de respeito pelo outros é quase impossível dialogar, pequenez de espírito e nem ao próprio respeito se dá. Daí em diante foram só aplausos honestos e sinceros para “a prefeita do povo” e nós os “manifestantes desintelectualizados, despreparados e desculturados, continuamos a baderna.”

Porém, acreditamos que baderna e desordem não são estudantes, trabalhadores e trabalhadoras segurando cartazes, baderna é o caos que a nossa cidade vive hoje, onde as nossas crianças e jovens enfrentam grandes dificuldades para ir e se manter nas escolas, visto que não existem vagas, nem professores(as) suficientes, e nem condições de trabalho adequadas. Muitos alunos freqüentam as escolas apenas para se alimentarem e mesmo assim, muitas vezes se frustram com a falta de merenda; o transporte “púbico” é uma vergonha, somos obrigados (as) a utilizar ônibus lotados, em péssimo estado, que demoram a passar, em paradas sem o mínimo de segurança, com o preço da passagem caríssimo e abusivo, acima das tarifas nacionais de transporte público; quando ficamos doentes, temos dificuldade em encontrar postos de saúde que funcionem de maneira eficiente, com remédios, médicos (as) e enfermeiros (as) em número que garanta um bom atendimento; nossas ruas, embora de diferentes localidades, convergem em pontos comuns: lixo por todos os lados e buracos por todas as partes. 

Isso sim é baderna, isso sim é violência, isso sim é o que não queremos na próxima eleição. Fora Micarla, fora aquele que não respeita o outro, fora aquele que não trata o povo com a seriedade e a responsabilidade devida. Diante de todo esse contexto de opressão, voltarei a dizer que nós, membros do Programa Lições de Cidadania, estudantes, trabalhadoras e trabalhadores, não hesitaremos em nos encher de indignação e continuar lutando por justiça e igualdade social, pois se para ser bem visto pelos olhos dos retrógrados e conservadores for preciso nos resignar diante das injustiças, das violações de direitos humanos que nós, “do povo”, sofremos, não tenham dúvidas de que SEREMOS SEMPRE REBELDES, e teremos orgulho disso, pois segundo o grande lutador e educador popular Paulo Freire: não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos”;

Encharcado de realidade e justa raiva,

Gregório Bezerra Silva
Membro do Programa em defesa dos direitos humanos Lições de Cidadania





quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Não nos calarão

Leonardo Sinedino Miranda de Oliveira é natalense e tem apenas 23 anos, mas uma anônima, intensa e apartidária militância política. Foi um dos militantes que ocuparam a Câmara Municipal do Natal por 11 dias, entre 7 e 16 de junho de 2011, tendo resultado na instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Contratos (CEI dos Contratos). Durante esse período, Leonardo integrou a Comissão de Ciranda, responsável por cuidar das crianças e adolescentes, filhos das famílias pertencentes ao MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas) e MST (Movimento dos Sem Terra), que também se uniram ao acampamento.

 Enquanto atuava na Ocupação da CMN, Leonardo dividia seu tempo entre a luta da manifestação - que cobrava dos vereadores seu devido trabalho de investigar as muitas irregularidades cometidas na atual gestão municipal, chefiada pela prefeita Micarla de Sousa (PV) - e seu trabalho de conclusão do curso de Pedagogia (UFRN) sobre o Portal do Professor - site do Ministério da Educação que tem o objetivo de auxiliar os professores de todo o país no sacerdócio da educação, e o trabalho como coordenador de oito salas de aula do 8º e 7º anos no tradicional colégio Salesiano São José.

Finalizada a ocupação da casa legislativa da capital, Leonardo Miranda mudou seu endereço para o acampamento que foi montado em frente à sede da Governadoria do Rio Grande do Norte, no Centro Administrativo, que durou sete dias e ficou conhecido como #LevantedoElefante, protesto contra o contingenciamento de verbas para a Educação, aplicado pela governadora do Estado, Rosalba Ciarlini (DEM).

Este protesto, também articulado pelas redes e mídias sociais, se deu em consequência do deslocamento dos estudantes da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) que ocuparam, simultaneamente ao #ForaMicarla, o Diretório Regional de Educação de Mossoró. Esse movimento ganhou o nome de Comando de Mobilização Estudantil de Mossoró (COMEM) e durou 25 dias, entre junho e julho de 2011.

Durante os meses seguintes, Leonardo persistiu e tentou acompanhar in loco os trabalhos da CEI dos Contratos, que foi instaurada por força da Ocupação da Câmara, em junho. Entretanto, em muitas ocasiões, os vereadores ordenavam que as portas da Casa fossem fechadas durante as sessões da Comissão Especial de Inquérito.

Em um dos raros dias em que conseguiram adentrar à Casa do Povo, os manifestantes - portando faixas e cartazes - gritaram pelo impeachment da prefeita de Natal, Micarla de Sousa (PV), assim como protestaram contra a lentidão da Justiça em julgar a Operação Impacto, processo criminal que tem como réus vários vereadores da Câmara Municipal do Natal.

Eles receberam propina de grandes construtoras para derrubar vetos do ex-prefeito da cidade sobre o Plano Diretor. Essas empresas desejavam construir imensos edifícios em áreas não adensáveis – muitas delas demarcadas como áreas de proteção ambiental.

Ao chegar em casa, Leonardo postou mensagens em seu perfil no Twitter, em tom de desabafo, dirigidas ao vereador Júlio Protásio (PSB), relator da CEI dos Contratos da Prefeitura de Natal e um dos principais réus da Operação Impacto, cuja cassação foi pedida pelo Ministério Público. Ele disse pela rede de microblogs que o vereador seria um "verme" e um "canalha".

No momento, Leonardo está impossibilitado de andar e sequer sair da cama, pois passou recentemente, em 29 de novembro, por uma cirurgia delicada para reparar os ligamentos do joelho esquerdo, contusão comum no futebol, uma de suas paixões. Desempregado, Leonardo conseguiu concluir seu curso superior de Pedagogia, mesmo após um ano de intensa dedicação à sua militância social. Torcedor do Corinthians, ele tem como ídolos o educador Paulo Freire e Dr. Sócrates, cujos pensamentos auxiliam em seu processo de formação e evolução pessoal. Ele perdeu o seu trabalho como educador após sofrer a grave contusão.

Em razão de suas declarações no Twitter, Leonardo está sendo processado por danos morais pelo vereador Júlio Protásio, que cobra uma indenização no valor de R$ 21 mil (Vinte e um mil Reais). O pedagogo diz que não se sente intimidado, tampouco demonstra medo. E afirma que o parlamentar sempre procurou intimidar manifestantes e impedir que eles tenham voz.

A notícia do processo já corre aos quatro cantos e, na internet, o assunto tem sido destaque nas redes sociais e não chega a dividir opiniões. Em sua maioria, os comentários se mostram indignados com a atitude do vereador de destinar tempo ao que ele chamou de “agressões pessoais pelo Twitter”.

Militantes, inclusive, lançaram as campanhas #TodosSomosLeonardo e #MeProcessaJúlioProtásio, no Twitter, em apoio ao militante e à liberdade de expressão, assim como para arrecadar o valor da indenização em moedas, caso a Justiça dê causa ganha ao vereador. O parlamentar ainda ganhou um perfil no microblog em sua homenagem, batizado de @JúlioImpacto.

Se você também se indigna com a atitude do vereador, twitte, blogue e link este assunto. Afinal, a democracia não pode ser uma ilusão.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Documentário sobre a Ocupação na Câmara

Primavera sem borboleta: O teatro do oprimido é o título do documentário em produção sobre os movimentos sociais em Natal que pedem o impeachment da prefeita Micarla de Sousa.

Enquanto o documentário segue em produção, é possível ver um pouco dos momentos marcantes da luta da população para que os seus anseios sejam materializados.

Trata-se de material inédito, registrado in loco durante os 11 dias de ocupação da Câmara Municipal do Natal.




Clique aqui para ver mais.

sábado, 8 de outubro de 2011

Árvores com olhos de Mulukurunda





por Edilson Freire Maciel



Natal amanheceu poluída, com olhos assustadores, de expressão histérica, pendurados em algumas árvores nos pontos estratégicos da cidade. Essa simbologia tem como objetivo a proteção das árvores, querendo significar uma admoestação: Estou de olho! Parece-nos um tanto aborígine quanto a sua forma de comunicação. Faz-nos relembrar Mundo Cão, o famoso documentário italiano dos anos 60, em que os primitivos da Papua Nova Guiné construíam com arbustos algo semelhante a um avião, no intuito de atraí-lo. Assim funcionam os olhos maus de mulukurunda, que estão pendurados em nossas árvores em relação às novas tecnologias. Em Paris, uma das capitais mais arborizadas do mundo, diferentemente daqui, não há simbologias poluidoras penduradas nas árvores, mas sim chips que as monitoram, socorrendo-as em caso de acidente ou doença, protegendo-as quanto a possíveis agressões.
Nos países desenvolvidos, a lógica do pragmatismo tecnológico e da política propositiva é uma realidade, porque assim o é, porque o povo quer. Diferentemente dos paises periféricos em que, por falta de solução dos problemas, apela-se para a verborragia, o sofisma e a metáfora. É o discurso dos bacharéis, das barrigas jornalísticas, transferido para a oratória já obliterada, cansada de tanto – blá – blá – blá, ainda que cause esperança aos incautos.
Cada vez mais aumenta os paradoxos, as dissociações nos países alijados do centro de poder, ao ponto de já nos conceituarem de Belíndia, uma fusão de Bélgica e Índia, tamanho o contraste social existente em nosso país. Esse contraste social nos leva aos graves erros de julgamento, de atitudes descentradas, desfocadas da realidade, em surto socioesquisofrênico. Apesar de vivermos em pleno mundo globalizado, das intercessões econômicas, financeiras e tecnológicas, é incongruente, inócuo e ridículo prescindir da tecnologia dos olhos eletrônicos para substituí-la por olhos de mulukurunda.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Reino de Elefantina




por Edilson Freire Maciel


O reino de elefantina fica assim, num lugar em que o vento faz a curva ou, como dizem os mais cáusticos, onde o capiroto perdeu as botas. Lá, quem governa são os cornacas. Eles conduzem o paquidérmico reino com uma vareta que está sempre em punho, orientando o seu lento caminhar.

No inusitado reino, a vida dos elefantinos está sujeita a uma lei que se sobrepõe à vida e à morte. Todos devem obedecê-la em fila indiana, unidos por trombas e rabos. Os cornacas são de uma região feudal do reino, acostumados a guiar elefantinos de tromba a rabo, através de muito circo e pouco feno, levando-os ao delírio ufanista de pertencerem à cidade cultural de Elefantolândia.

Os elefantinos do leste rebelaram-se, torceram o rabo, bramiram, agitaram-se na defesa de condições dignas de trabalho e mais ração. Os cornacas, devido à tradição feudal, não tinham trato político com a diversidade paquidérmica, tratando-a com métodos antigos de domesticação. Achavam que a vareta era suficiente para dissuadir a insatisfação; ou que a frieza pétrea de uma lei fosse convencer toda uma geração de injustiçados.

Elefantina está em crise, carece de um gabinete político suprapartidário para dirimi-la, criar e promover recursos para o desenvolvimento social, longe da influência política da tecnocracia e dos burocratas. Acabar com as pensões inconstitucionais dos ex-cornacas, denunciar e acionar os devedores do banco de Elefantina e apurar as despesas mamuteanas dos órgãos públicos.

O reino de elefantina é muito curioso, diz cumprir a máxima do general Pompeu. Vejamos em que circunstância se tornou célebre a frase do general. Naquela época, era comum o exército vencedor ficar com o botim da guerra disputado entre a soldadesca através do duelo. Para impedir a desordem na tropa, Pompeu decretou que todo soldado que matasse outro, em disputa por botim, seria condenado à morte.
Certa vez, seu ajudante de ordem o procurou afirmando que um soldado tinha sido morto por motivo de despojos de guerra. O general foi claro:

– A lei!
O ajudante de ordem replicou:

– O assassino é seu filho.

Respondeu o general:

– Dura lex, sed lex! (a lei é dura, mas é lei!).

Os cornacas têm reserva moral em relação à essência dessa máxima universal? Ao desprezar as necessidades básicas dos elefantinos para investir no supérfluo, estão mais para Heliogábulo do que para Pompeu.Os cornacas alegam não poder atender às reivindicações trabalhistas de uma minoria de elefantinos, enquanto existe uma manada  de mais pobres; são três milhões, cento e sessenta e oito mil,  cento e trinta e três, para serem atendidos. Infinita a esquizofrenia do poder ao fazer distinção entre miseráveis. Todos são vítimas da exploração e opressão do Estado mínimo. É desejo dos elefantinos que os cornacas, além de parecerem, sejam honestos e populares.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

MEMÓRIAS DE UMA PRIMAVERA SEM BORBOLETA

Originalmente publicado em 22 de setembro de 2011, no jornal FOQUE
Texto por Enoque Vieira, historiador e boêmio do Beco da Lama.

“A memória é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento”*

TAL qual uma primavera alongada, assim foi o acampamento Primavera sem Borboleta.

Primavera alongada porque no tempo normatizado; aquele tempo preso às normas, às regras e aos ditames daqueles que o administram; a primavera, um dos espaços temporais que divide o ano em quatro partes, estava ainda distante; na época em que aconteceu o acampamento Primavera sem Borboleta se vivia o clima do frio e chuvoso inverno que assolaria a cidade nos meses vindouros.

Mas, convenções à parte, aquele histórico dia sete de junho do sagrado ano de dois mil e onze; aqui se menciona, mesmo sem querer, mais uma convenção temporal; um grupo de pessoas, em sua imensa maioria jovens, ocupou a sede do poder legislativo municipal da cidade do Natal.
A ocupação terminou por gerar uma ruidosa repressão articulada pelos vereadores aliados da chefe do poder executivo, repressão essa que tinha, tão somente, o sentido único de blindar a prefeita Micarla de Souza.

Aquele grupo de pessoas, que naquele momento era bem pequeno; pois, naquela manhã a  chuva não deu tréguas; não se intimidou com a densa enxurrada que parecia querer não parar, e organizadamente, pacificamente, ordeiramente e alegremente tomou as ruas da cidade, enchendo-as de cores, sons e alegrias; ecoando palavras de ordem, ou de desordem como afirmavam alguns, que denunciavam o deszelo da prefeitura, cantigas tais como: “quem não pula quer Micarla”, motivando tod@s a pular; ou “quem não não se molha quer Micarla”, fazendo alusão à densa enxurrada que molhava o cortejo, ou ainda, uma palavra de ordem no mínimo complicada de se cantar, que dizia: “olha a leptospirose”, criação de um companheiro que ao pisar nas poças de água, formadas nos buracos da cidade, lembrou da doença transmitida pelos ratos. 

A tomada da via pública na urbe burguesa é um afronto aos que se consideram don@s da cidade**. No entanto, essas vias foram tomadas por aquela juventude, e, desde a Praça Cívica, recanto histórico da burguesia natalense, até a câmara de vereadores, o cortejo da liberdade, da ética e da justiça marchou fluentemente pela Rua Trairi, Avenida Deodoro da Fônseca, Rua Apodi, Avenida Rio Branco, beco do Banco do Brasil, Avenida Junqueira Aires, Rua Ulisses Caldas, mais uma vez a Deodoro e por fim a Rua jundiai onde fica o edifício da câmara de vereadores.Todo esse percurso foi vencido debaixo de muita chuva, de ações hostis vindas de gente contratada e paga para apedrejar aqueles que lutavam contra os desmandos e desgovernos da administração municipal, e, acima de tudo, debaixo de muita alegria, irreverência, espírito criativo e desejo de viver em uma cidade aonde tod@s; sem distinção de cor, raça, credo, gênero ou filiação política; pudessem vivê-la em toda a sua plenitude.

O desejo de retomar a cidade para o seu povo, arrancá-la das garras daqueles que dela se apropriaram, e a crença de que, no futuro, a nossa cidade não mais estará sob as ordens de Micarla de Souza e seu exército de desmandos, fizeram com que aqueles atrevidos jovens decidissem acampar na câmara e passasse a exigir a instalação de uma Comissão Especial de Investigação que tivesse como fim um relatório isento das influências funestas do executivo municipal.

Aquela manhã chuvosa, de uma convencional terça-feira, não foi comum para aquele grupo, foi um dia explosivo, de uma explosão lenta e, por essência, gradual, cumulativa e, no seu fim, vitoriosa. 
O acampamento teve início com uma pequena barraca azul que foi chantada em pleno pátio interno do belo edifício do legislativo municipal, pontapé inicial que culminaria com mais de trinta barracas armadas e ocupadas por mais de cem acampados. 

A Câmara de Vereadores de Natal, internamente, se assemelha a um grande teatro; e foi nesse ambiente que por onze dias o agrupamento de jovens se avolumou, armando barracas de coloridos matizes, organizando ruas e bairros, expondo  símbolos e construindo um espaço público e coletivo onde eram realizadas atividades lúdico-recreativas e, principalmente, plenárias públicas, que eram denominadas de audiências populares. 

As decisões, tomadas coletivamente depois de exaustivos debates, fizeram do acampamento Primavera sem Borboleta um mundo particular, uma experiência política única, uma vivência humana tal que viria a marcar, feito tatuagem, os corações e as mentes daquelas pessoas.

O lugar, o pátio interno da câmara de vereadores, que, como já foi mencionado, tem a aparência de um teatro, foi palco de ações políticas, artísticas e culturais que marcariam a história da cidade do Natal. Ações essas protagonizadas por jovens que defendiam as mais diferentes linhas de pensamento, mas que tinham como elo principal a luta contra o desgoverno da prefeita e de seus incompetentes assessores.

Os primeiros dias foram tempos de tensão, as tentativas de marginalizar o movimento, feitas por Micarla de Souza e seu exécito, motivaram no coletivo uma organização ainda mais coesa, criando laços de confiança e respeito que perduraram durante todo o período da ocupação do prédio.
Vencida a tensão, o pátio da Câmara de Vereadores de Natal tornou-se o locus de vivência de todo aquele coletivo; que, ciente da importância daquela ação, deu início a um estilo de convivência onde a solidariedade, a fraternidade e o amor eram vividos em toda a sua essência. Vivência essa, que permitia com que o cansaço que abatia os corpos tensos fosse diminuído pelo carinho coletivo e pelos abraços e sorrisos que partiam de tod@s e eram compartilhados por tod@s em todos os momentos.

Alegres eram as partidas de peteca, quando, em círculo, ao centro do pátio, jogando a peteca para o alto, em revezamento, contava-se até o sétimo lance para então, numa ação enérgica, lançar vertiginosamente em direção à pessoa mais desatenta o pequeno objeto, que ao alcançá-la permitia com que, tal pessoa, aguçasse sua atenção e retomasse o seu vigor.

Presença marcante fez o coletivo do Pau e Lata, grupo musical, percussivo-político, que, tirando música de instrumentos pouco convencionais como tambores de plástico e latas, deu o tom musical do acampamento, sonorizando estrondosamente o ambiente com o intuíto de expulsar a famigerada borboleta que se aboletou, inadvertidamente, no centro do poder municipal. As tocadas percussivas do Pau e Lata, organizadas sempre em círculos, ecoavam por todo o pátio da Câmara e, encontrando barreira nas paredes do edifício, ascendia aos céus, até alcançar os ventos cíclicos que as fizessem ecoar pela cidade, levando, em ondas magnéticas, um sonoro #FORAMICARLA. 

Enquanto o som estrondoso do Pau e Lata ecoava pela cidade; no pátio da Câmara municipal o acampamento inteiro dançava freneticamente e cantava vociferamente cantigas que enalteciam a sua luta de resistência. Músicas de letras simples que permitiam a participação de tod@s na formação de um grande coral, músicas, que, quando cantadas, fazia aflorar  um grande coletivo vocal capaz de fazer ecoar palavras, mas não simples palavras, e sim palavras cantadas que se revelavam com a mais intensa emoção. E, sob a batuta do maestro que regia a batucada do Pau e Lata, o coral dava início às canções, uma delas conclamava a tod@s que vinham prestar solidariedade aos acampad@s dizendo, em rítmo de ciranda e dançada em círculo, “companheiro me ajuda/ Que eu não posso andar só/ Eu sozinho ando bem/ Mas com você ando melhor”, essa letra era repetida inúmeras vezes, cantada em muitas vozes e ouvida por centenas de pessoas que se emocionavam com a força que ela evocava, vislumbrando a união e fazendo com que tod@s, de mãos dadas, cirandassem por todo o pátio.

Uma outra canção, essa de forte apelo afirmativo, cantada a cada vitória que o acampamento veio a ter, e que também falava de união e fortaleza, fazia vibrar o pátio do legislativo municipal, com pisadas fortes e ligeiras, ecoando em uníssona voz, “Pisa ligeiro/ Pisa ligeiro/ Quem não pode com a formiga/ Não assanha o formigueiro”, fazendo, nos jardins do belo edifício, surgir um imenso formigueiro humano disposto, em pleno tempo chuvoso, a carregar para as profundezas da terra o corpo inerte da maléfica borboleta.

O amanhecer no acampamento, no início muito tenso, foi com o passar dos dias se tornando manso, até alcançar a paz do acordar ao som da flauta, numa melodia matinal capaz de fazer levantar o sol para tod@s e expulsar todos os ratos da cidade.

E, se tod@s estavam em um teatro, ou em um espaço arquitetonicamente teatral, o acampamento se tornou cena, e, em cena ação, o Primavera sem Borboleta firmou-se, então, tal qual uma luta dos oprimidos contra a opressão dos poderosos, revivendo o ensinamento de Augusto Boal, convencendo-se da importância da luta e da resistência do povo contra o motor repressivo dos conservadores de plantão. 

O Teatro do oprimido, tal qual concebia Boal, foi vivenciado, experimentado, aprendido, provocando n@s integrantes do acampamento o desejo de resistir a toda e qualquer opressão que, por ventura, pudesse partir d@s poderos@s.

Renovad@s pelo debate suscitado pela apresentação teatral realizada no pátio da Câmara de vereadores pelos companheir@s que participaram da oficina de Teatro do oprimido, @s acampad@s decidiram então tramar a sua luta de resistência. 

A paz, que invadia o coração de tod@s, fazia fluir pensamentos que afirmavam ser o amor e as coisas simples bem maiores do que qualquer forma de opressão. Receber @s companheir@s do MST e do MLB, com flores brancas no roll de entrada do edifício do legislativo municipal, foi de uma emoção tamanha, somente comparável com o sentimento de quem estava ao lado, empunhando crisântemos brancos, chorando, sorrindo e cantando; tendo a certeza de que não estava só e que muitos companheir@s se somavam à luta contra a opressão fustigada pelo poder municipal.

Interessante foi encontrar as pessoas que participavam de numa maratona de saúde e competição que, cursando a Avenida Campos Sales, em frente ao edifício da Câmara, instigou a tod@s, a mais um momento de criação, era a hora de propor uma nova palavra de ordem que bradava de forma cômica: “Quem não corre quer Micarla”, e, como tod@s que estavam na maratona corriam no afã de  atingir a faixa de chegada que estava próximo ao Atheneu norte-riograndense, tod@s que estavam na corrida, sem querer, se juntavam aos companheir@s acampad@s, que ao  penetrarem na maratona corriam, carregando adereços, bradando a palavra de ordem e se divertindo com @s maratonistas que vibravam e aplaudiam @s acampad@s.

Envolver a tod@s da cidade, no mundo globalizado, tornou-se uma necessidade, e, enquanto a mídia local noticiava sobre o fato, sendo, em alguns muitos casos, complacente com @s poderos@s, a twitter cam do @xôinseto transmitia para o mundo inteiro, em tempo real, todo o acontecimento. Fiel ao conceito de mídia independente e classista, o twitter @xôinseto anunciava,  para todos os cantos, as ações e emoções de tod@s acampad@s. Foram horas e horas de transmissão ininterrupta, captando a essência da luta de resistência, do modelo de organização popular do movimento, realçando falas, enaltecendo palavras de ordem que afirmavam a firmeza de resistir, e fazendo ecoar vozes cansadas em gritos roucos que diziam: “até que tudo cesse, nós não cessaremos”. E ninguém cessou.

Apesar da leitura tosca da mídia borboleteante, da injustiça do pleno do Tribunal de justiça do estado, de parte do mundo lá fora alheio a tudo o que estava acontecendo, a luta continuou, e teve como aliados muitos companheir@s jornalistas comprometidos com o fim da opressão, que documentaram, em escrita e em imagem, todos os momentos vividos pel@s acampad@s.

O ápice do acampamento Primavera sem Borboleta ocorreu no momento de maior tensão, quando, à espera pelo resultado da ação que transcorria no STJ, ação essa acionada pel@s companheir@s do curso de Direito da UFRN, integrantes do programa Lições de Cidadania; visto que a decisão do pleno do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, espécie de elite do judiciário do estado, havia sido negativo para @s acampad@s; tod@s, apreensiv@s, vislumbrando uma possível invasão policial no intuito de acabar com o acampamento no edifício da Câmara de vereadores, sentaram-se ao chão, em círculos, enlaçando braços, mãos e pernas, construindo uma mandala humana com mais de cem pessoas, numa posição de defesa coletiva capaz de evitar a opressão das forças policiais, tendo na sacada, no primeiro andar do prédio, o grupo Pau e Lata que, voltado para a mandala, iria tocar o Hino Nacional Brasileiro com o intuito de impedir que os policiais avançassem contra os acampad@s. 

Era dia de casa cheia, pois muita gente fora convidada pelas redes sociais para prestar solidariedade ao acampamento. E, com a resistência organizada, ao cair da noite chegou o resultado da decisão do STF. O resultado foi favorável @s acampad@s produzindo então uma grande festa no pátio do prédio da Câmara que perdurou por quase toda a noite, um gozo coletivo, um gosto de vitória sentido por todas as papilas gustativas existentes nas mentes de tod@s, e tal qual uma turba pacífica, os acampad@s dançaram ao som da batucada do Pau e Lata, cantando incansavelmente: “Pisa ligeiro/ Pisa ligeiro/ Quem não pode com a formiga/ Não assanha o formigueiro”, transformando o pátio do legislativo municipal no mais representativo formigueiro humano que aquele prédio já conheceu.

Entre luta e arte é indubitável afirmar que o acampamento Primavera sem Borboleta inaugurou uma nova forma de fazer política em Natal, extravasando o convencional, expondo a arte em favor da luta do povo e criando um vínculo de amor entre tod@s que, com certeza, o tempo, que foi testemunha, terá dificuldade de colocá-lo no esquecimento.

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*Bosi, Ecléia. Memória e sociedade, 1994.
**ROLNIK, Raquel. O que é cidade, 1988.