sexta-feira, 8 de julho de 2011

Eu me organizando posso desorganizar

            Depois de um bom tempo de apatia política a juventude natalense insurge no cenário político local se propondo a discutir e intervir no rumo que a Capital Potiguar deve tomar. Motivada pelo descaso, além das várias denúncias de corrupção que assolam o governo da Prefeita Micarla de Souza (PV), a qual passa por um momento muito delicado, haja vista o total fracasso de sua gestão, facilmente identificado pelo mais desatento olhar de qualquer leigo. Em conseqüência têm-se não só a organização dos jovens, mas também a pressão política de partidos de oposição, de sindicalistas, não esquecendo aí, apesar da cultura política local ser passiva, a participação da sociedade civil como um todo, que cobra do governo Micarla uma postura mais humana e participativa com intervenção eficaz e inovadora, como assim havia sido prometido na época da campanha.
            Nesse contexto de mobilização popular, os jovens que, diga-se de passagem, representam em boa parte a classe média natalense, articulam uma “nova forma de lutar por seus direitos” e, de levar toda essa motivação as classes menos favorecidas. Aqueles que historicamente são excluídos do processo de discussão política. É bem verdade que no início desse debate surgido nas ditas redes sociais: Twitter;  FaceBook; Orkut e Blog´s, acreditava-se na inauguração de uma nova forma de se fazer política,  cuja prioridade forjava-se na horizontalidade, na democracia real e no coletivo, em si, como instrumentos de organização e deliberação do movimento instituído.
            A principio, já visualizava que esse movimento, que se propunha enquanto um instrumento mobilizador das massas populares da cidade, era na verdade um movimento apaixonado pelo o que se via nas linhas gerais de sua essência e efervescência: “a luta contra Micarla” e, assim sendo, com este único propósito, objetivava a conquista de corações e mentes desembocando na mobilização das camadas mais pobres da nossa sociedade potiguar. Erro notório! Entretanto, sabiamente os participantes do #foramicarla sentiram a necessidade de aglutinar e expandir mais as informações, dizer a sociedade o porquê de tantos jovens irem às ruas semanas seguidas culminando na ocupação da Câmara Municipal da Cidade e fazerem tanto barulho. Importa lembrar que esse movimento, ainda que, com muita dificuldade, conseguiu romper barreiras tradicionalmente impostas à juventude. O #foramicarla mostrou que a causa pode superar picuinhas como a participação conjunta de juventudes partidárias, apartidárias e anarquistas debatendo e construindo alternativas possíveis e viáveis para a organização da luta popular.
            A partir de então, verificou-se o que poderíamos chamar de “choque cultural”, e como dito acima, esse movimento com a cara da juventude classe média, indignada, por, pela primeira vez, sentir-se atingida pelo total descaso do poder público local. Ressaltando que não se trata do descaso com o social, antes, pelo contrário, se trata de descaso estrutural, que vai desde ao não calçamento de ruas, passando por inundações nos bairros nobres e buracos no asfalto, os quais atrapalham, por vezes, o fluxo de veículos no trânsito, além de ocasionarem furos nos pneus, quebra e/ou empenação de eixos dos carros da nossa classe média. Todavia, com o choque cultural através da aglutinação das várias juventudes já citadas, o cenário das indignações foi se transformando, se desprendendo das necessidades puramente individuais que estavam em jogo.  Com o advento das manifestações, bandeiras de lutas foram se agregando à luta desses jovens, como exemplo a CEI dos contratos, além de se pautar a construção da mobilização dos setores e áreas potiguares mais vulneráveis como as zonas norte e oeste da Cidade.
             O movimento ora falado, visivelmente, levou muito tempo para conseguir chegar até as camadas mais pobres, não sendo preocupação desse texto as diversas justificativas que levaram a essa intempestividade, ao contrário, esse ordenamento de palavras busca tão somente destacar e aplaudir a possibilidade concretizada de registrar experiências marcantes de pessoas que nunca tinham “atravessado a ponte” e após tal ação possibilitada pelo movimento, afirmar que depois do ato ficaram apaixonadas pela Zona Norte, que se impressionaram com a receptividade desse povo tão sofrido que encantam com os relatos e a vontade de também abrir sua garganta e soltar o seu protesto somando-se ao movimento, que dessa vez assume outro viés. 
Até então, só se falava em buracos, CEI´s e #foramicarla. Agora já se ouve: onde estão os postos de saúde? Porque estão fechados? Onde estão as escolas prometidas? Reivindica-se também segurança e habitação, se denuncia os conselhos corruptos que não articulam nada em benefício de suas comunidades, a falta de transporte digno e etc. O que se vê de fato, atualmente no movimento é a inversão de valores em que se pauta como central a questão das políticas públicas de qualidade com foco na dignidade da pessoa humana a partir de uma sociedade mais justa e igualitária, em que se prioriza a discussão dos problemas sociais partindo das necessidades das classes mais populares até às das classes médias.
            Destarte o avanço identificado ao longo do processo por que passou o movimento, alguns vícios ainda precisam ser extirpados, quais sejam: a realização de atos de cima para baixo em comunidades em que não se conhece a realidade cotidiana vivenciada por seus habitantes; a visão equivocada de que tudo tem que ser definido em plenárias constituídas em sua maioria por aqueles e aquelas que tiveram condições objetivas e subjetivas de acamparem na Câmara Municipal de Natal; o entendimento errôneo de que o #foramicarla nada mais é que o somatório irrisório daqueles e daquelas que articulam tais plenárias e a falta de entendimento, por vezes, ainda que não tão freqüente, da importância de nesse momento aglutinar todas as frentes de luta como sindicatos, juventudes partidárias, juventudes não partidárias, estudantes, trabalhadores e trabalhadoras da cidade, sociedade civil organizada em torno de uma pauta unificada.
 A guisa de conclusão, imprescindível se faz compreender que o movimento que surgiu no berço da classe média, não só pode como deve assumir novos horizontes, chegar à boca do povo, se unir as necessidades mais diversas do povo natalense. A concretização dessa realidade passa por assumir uma nova plataforma política, que exclua os oportunistas que tentam de forma camuflada se apropriar do movimento e construa uma cultura diferente em que possibilite a participação popular, que desperte nas pessoas que antes só viviam para o trabalho na busca de suprir suas necessidades imediatas a crença na importância de se organizar e lutar,  pois, como bem diz Chico Science eu me organizando posso desorganizar, e só assim organizados, conseguiremos desorganizar toda essa sujeira que há muitos anos assola nossa cidade. O movimento não pode ter como objetivo central derrubar Micarla, pois existem vários picaretas nessa cidade iguais ou até piores que ela, estando apenas a postos, à espera de sua vez para detonar a cidade e os interesses do seu povo. A luta tem que ser proposta na perspectiva da construção de uma nova cultura política, que consiga contribuir para a livre organização nos mais diversos setores da sociedade e que dessas organizações surjam as correlações de forças necessárias para as mudanças que precisamos.      

Altanir Morais, 25 anos, morador da ZN, ex dirigente da UBES, APES e UMES

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