quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Não nos calarão

Leonardo Sinedino Miranda de Oliveira é natalense e tem apenas 23 anos, mas uma anônima, intensa e apartidária militância política. Foi um dos militantes que ocuparam a Câmara Municipal do Natal por 11 dias, entre 7 e 16 de junho de 2011, tendo resultado na instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Contratos (CEI dos Contratos). Durante esse período, Leonardo integrou a Comissão de Ciranda, responsável por cuidar das crianças e adolescentes, filhos das famílias pertencentes ao MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas) e MST (Movimento dos Sem Terra), que também se uniram ao acampamento.

 Enquanto atuava na Ocupação da CMN, Leonardo dividia seu tempo entre a luta da manifestação - que cobrava dos vereadores seu devido trabalho de investigar as muitas irregularidades cometidas na atual gestão municipal, chefiada pela prefeita Micarla de Sousa (PV) - e seu trabalho de conclusão do curso de Pedagogia (UFRN) sobre o Portal do Professor - site do Ministério da Educação que tem o objetivo de auxiliar os professores de todo o país no sacerdócio da educação, e o trabalho como coordenador de oito salas de aula do 8º e 7º anos no tradicional colégio Salesiano São José.

Finalizada a ocupação da casa legislativa da capital, Leonardo Miranda mudou seu endereço para o acampamento que foi montado em frente à sede da Governadoria do Rio Grande do Norte, no Centro Administrativo, que durou sete dias e ficou conhecido como #LevantedoElefante, protesto contra o contingenciamento de verbas para a Educação, aplicado pela governadora do Estado, Rosalba Ciarlini (DEM).

Este protesto, também articulado pelas redes e mídias sociais, se deu em consequência do deslocamento dos estudantes da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) que ocuparam, simultaneamente ao #ForaMicarla, o Diretório Regional de Educação de Mossoró. Esse movimento ganhou o nome de Comando de Mobilização Estudantil de Mossoró (COMEM) e durou 25 dias, entre junho e julho de 2011.

Durante os meses seguintes, Leonardo persistiu e tentou acompanhar in loco os trabalhos da CEI dos Contratos, que foi instaurada por força da Ocupação da Câmara, em junho. Entretanto, em muitas ocasiões, os vereadores ordenavam que as portas da Casa fossem fechadas durante as sessões da Comissão Especial de Inquérito.

Em um dos raros dias em que conseguiram adentrar à Casa do Povo, os manifestantes - portando faixas e cartazes - gritaram pelo impeachment da prefeita de Natal, Micarla de Sousa (PV), assim como protestaram contra a lentidão da Justiça em julgar a Operação Impacto, processo criminal que tem como réus vários vereadores da Câmara Municipal do Natal.

Eles receberam propina de grandes construtoras para derrubar vetos do ex-prefeito da cidade sobre o Plano Diretor. Essas empresas desejavam construir imensos edifícios em áreas não adensáveis – muitas delas demarcadas como áreas de proteção ambiental.

Ao chegar em casa, Leonardo postou mensagens em seu perfil no Twitter, em tom de desabafo, dirigidas ao vereador Júlio Protásio (PSB), relator da CEI dos Contratos da Prefeitura de Natal e um dos principais réus da Operação Impacto, cuja cassação foi pedida pelo Ministério Público. Ele disse pela rede de microblogs que o vereador seria um "verme" e um "canalha".

No momento, Leonardo está impossibilitado de andar e sequer sair da cama, pois passou recentemente, em 29 de novembro, por uma cirurgia delicada para reparar os ligamentos do joelho esquerdo, contusão comum no futebol, uma de suas paixões. Desempregado, Leonardo conseguiu concluir seu curso superior de Pedagogia, mesmo após um ano de intensa dedicação à sua militância social. Torcedor do Corinthians, ele tem como ídolos o educador Paulo Freire e Dr. Sócrates, cujos pensamentos auxiliam em seu processo de formação e evolução pessoal. Ele perdeu o seu trabalho como educador após sofrer a grave contusão.

Em razão de suas declarações no Twitter, Leonardo está sendo processado por danos morais pelo vereador Júlio Protásio, que cobra uma indenização no valor de R$ 21 mil (Vinte e um mil Reais). O pedagogo diz que não se sente intimidado, tampouco demonstra medo. E afirma que o parlamentar sempre procurou intimidar manifestantes e impedir que eles tenham voz.

A notícia do processo já corre aos quatro cantos e, na internet, o assunto tem sido destaque nas redes sociais e não chega a dividir opiniões. Em sua maioria, os comentários se mostram indignados com a atitude do vereador de destinar tempo ao que ele chamou de “agressões pessoais pelo Twitter”.

Militantes, inclusive, lançaram as campanhas #TodosSomosLeonardo e #MeProcessaJúlioProtásio, no Twitter, em apoio ao militante e à liberdade de expressão, assim como para arrecadar o valor da indenização em moedas, caso a Justiça dê causa ganha ao vereador. O parlamentar ainda ganhou um perfil no microblog em sua homenagem, batizado de @JúlioImpacto.

Se você também se indigna com a atitude do vereador, twitte, blogue e link este assunto. Afinal, a democracia não pode ser uma ilusão.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Documentário sobre a Ocupação na Câmara

Primavera sem borboleta: O teatro do oprimido é o título do documentário em produção sobre os movimentos sociais em Natal que pedem o impeachment da prefeita Micarla de Sousa.

Enquanto o documentário segue em produção, é possível ver um pouco dos momentos marcantes da luta da população para que os seus anseios sejam materializados.

Trata-se de material inédito, registrado in loco durante os 11 dias de ocupação da Câmara Municipal do Natal.




Clique aqui para ver mais.

sábado, 8 de outubro de 2011

Árvores com olhos de Mulukurunda





por Edilson Freire Maciel



Natal amanheceu poluída, com olhos assustadores, de expressão histérica, pendurados em algumas árvores nos pontos estratégicos da cidade. Essa simbologia tem como objetivo a proteção das árvores, querendo significar uma admoestação: Estou de olho! Parece-nos um tanto aborígine quanto a sua forma de comunicação. Faz-nos relembrar Mundo Cão, o famoso documentário italiano dos anos 60, em que os primitivos da Papua Nova Guiné construíam com arbustos algo semelhante a um avião, no intuito de atraí-lo. Assim funcionam os olhos maus de mulukurunda, que estão pendurados em nossas árvores em relação às novas tecnologias. Em Paris, uma das capitais mais arborizadas do mundo, diferentemente daqui, não há simbologias poluidoras penduradas nas árvores, mas sim chips que as monitoram, socorrendo-as em caso de acidente ou doença, protegendo-as quanto a possíveis agressões.
Nos países desenvolvidos, a lógica do pragmatismo tecnológico e da política propositiva é uma realidade, porque assim o é, porque o povo quer. Diferentemente dos paises periféricos em que, por falta de solução dos problemas, apela-se para a verborragia, o sofisma e a metáfora. É o discurso dos bacharéis, das barrigas jornalísticas, transferido para a oratória já obliterada, cansada de tanto – blá – blá – blá, ainda que cause esperança aos incautos.
Cada vez mais aumenta os paradoxos, as dissociações nos países alijados do centro de poder, ao ponto de já nos conceituarem de Belíndia, uma fusão de Bélgica e Índia, tamanho o contraste social existente em nosso país. Esse contraste social nos leva aos graves erros de julgamento, de atitudes descentradas, desfocadas da realidade, em surto socioesquisofrênico. Apesar de vivermos em pleno mundo globalizado, das intercessões econômicas, financeiras e tecnológicas, é incongruente, inócuo e ridículo prescindir da tecnologia dos olhos eletrônicos para substituí-la por olhos de mulukurunda.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Reino de Elefantina




por Edilson Freire Maciel


O reino de elefantina fica assim, num lugar em que o vento faz a curva ou, como dizem os mais cáusticos, onde o capiroto perdeu as botas. Lá, quem governa são os cornacas. Eles conduzem o paquidérmico reino com uma vareta que está sempre em punho, orientando o seu lento caminhar.

No inusitado reino, a vida dos elefantinos está sujeita a uma lei que se sobrepõe à vida e à morte. Todos devem obedecê-la em fila indiana, unidos por trombas e rabos. Os cornacas são de uma região feudal do reino, acostumados a guiar elefantinos de tromba a rabo, através de muito circo e pouco feno, levando-os ao delírio ufanista de pertencerem à cidade cultural de Elefantolândia.

Os elefantinos do leste rebelaram-se, torceram o rabo, bramiram, agitaram-se na defesa de condições dignas de trabalho e mais ração. Os cornacas, devido à tradição feudal, não tinham trato político com a diversidade paquidérmica, tratando-a com métodos antigos de domesticação. Achavam que a vareta era suficiente para dissuadir a insatisfação; ou que a frieza pétrea de uma lei fosse convencer toda uma geração de injustiçados.

Elefantina está em crise, carece de um gabinete político suprapartidário para dirimi-la, criar e promover recursos para o desenvolvimento social, longe da influência política da tecnocracia e dos burocratas. Acabar com as pensões inconstitucionais dos ex-cornacas, denunciar e acionar os devedores do banco de Elefantina e apurar as despesas mamuteanas dos órgãos públicos.

O reino de elefantina é muito curioso, diz cumprir a máxima do general Pompeu. Vejamos em que circunstância se tornou célebre a frase do general. Naquela época, era comum o exército vencedor ficar com o botim da guerra disputado entre a soldadesca através do duelo. Para impedir a desordem na tropa, Pompeu decretou que todo soldado que matasse outro, em disputa por botim, seria condenado à morte.
Certa vez, seu ajudante de ordem o procurou afirmando que um soldado tinha sido morto por motivo de despojos de guerra. O general foi claro:

– A lei!
O ajudante de ordem replicou:

– O assassino é seu filho.

Respondeu o general:

– Dura lex, sed lex! (a lei é dura, mas é lei!).

Os cornacas têm reserva moral em relação à essência dessa máxima universal? Ao desprezar as necessidades básicas dos elefantinos para investir no supérfluo, estão mais para Heliogábulo do que para Pompeu.Os cornacas alegam não poder atender às reivindicações trabalhistas de uma minoria de elefantinos, enquanto existe uma manada  de mais pobres; são três milhões, cento e sessenta e oito mil,  cento e trinta e três, para serem atendidos. Infinita a esquizofrenia do poder ao fazer distinção entre miseráveis. Todos são vítimas da exploração e opressão do Estado mínimo. É desejo dos elefantinos que os cornacas, além de parecerem, sejam honestos e populares.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

MEMÓRIAS DE UMA PRIMAVERA SEM BORBOLETA

Originalmente publicado em 22 de setembro de 2011, no jornal FOQUE
Texto por Enoque Vieira, historiador e boêmio do Beco da Lama.

“A memória é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento”*

TAL qual uma primavera alongada, assim foi o acampamento Primavera sem Borboleta.

Primavera alongada porque no tempo normatizado; aquele tempo preso às normas, às regras e aos ditames daqueles que o administram; a primavera, um dos espaços temporais que divide o ano em quatro partes, estava ainda distante; na época em que aconteceu o acampamento Primavera sem Borboleta se vivia o clima do frio e chuvoso inverno que assolaria a cidade nos meses vindouros.

Mas, convenções à parte, aquele histórico dia sete de junho do sagrado ano de dois mil e onze; aqui se menciona, mesmo sem querer, mais uma convenção temporal; um grupo de pessoas, em sua imensa maioria jovens, ocupou a sede do poder legislativo municipal da cidade do Natal.
A ocupação terminou por gerar uma ruidosa repressão articulada pelos vereadores aliados da chefe do poder executivo, repressão essa que tinha, tão somente, o sentido único de blindar a prefeita Micarla de Souza.

Aquele grupo de pessoas, que naquele momento era bem pequeno; pois, naquela manhã a  chuva não deu tréguas; não se intimidou com a densa enxurrada que parecia querer não parar, e organizadamente, pacificamente, ordeiramente e alegremente tomou as ruas da cidade, enchendo-as de cores, sons e alegrias; ecoando palavras de ordem, ou de desordem como afirmavam alguns, que denunciavam o deszelo da prefeitura, cantigas tais como: “quem não pula quer Micarla”, motivando tod@s a pular; ou “quem não não se molha quer Micarla”, fazendo alusão à densa enxurrada que molhava o cortejo, ou ainda, uma palavra de ordem no mínimo complicada de se cantar, que dizia: “olha a leptospirose”, criação de um companheiro que ao pisar nas poças de água, formadas nos buracos da cidade, lembrou da doença transmitida pelos ratos. 

A tomada da via pública na urbe burguesa é um afronto aos que se consideram don@s da cidade**. No entanto, essas vias foram tomadas por aquela juventude, e, desde a Praça Cívica, recanto histórico da burguesia natalense, até a câmara de vereadores, o cortejo da liberdade, da ética e da justiça marchou fluentemente pela Rua Trairi, Avenida Deodoro da Fônseca, Rua Apodi, Avenida Rio Branco, beco do Banco do Brasil, Avenida Junqueira Aires, Rua Ulisses Caldas, mais uma vez a Deodoro e por fim a Rua jundiai onde fica o edifício da câmara de vereadores.Todo esse percurso foi vencido debaixo de muita chuva, de ações hostis vindas de gente contratada e paga para apedrejar aqueles que lutavam contra os desmandos e desgovernos da administração municipal, e, acima de tudo, debaixo de muita alegria, irreverência, espírito criativo e desejo de viver em uma cidade aonde tod@s; sem distinção de cor, raça, credo, gênero ou filiação política; pudessem vivê-la em toda a sua plenitude.

O desejo de retomar a cidade para o seu povo, arrancá-la das garras daqueles que dela se apropriaram, e a crença de que, no futuro, a nossa cidade não mais estará sob as ordens de Micarla de Souza e seu exército de desmandos, fizeram com que aqueles atrevidos jovens decidissem acampar na câmara e passasse a exigir a instalação de uma Comissão Especial de Investigação que tivesse como fim um relatório isento das influências funestas do executivo municipal.

Aquela manhã chuvosa, de uma convencional terça-feira, não foi comum para aquele grupo, foi um dia explosivo, de uma explosão lenta e, por essência, gradual, cumulativa e, no seu fim, vitoriosa. 
O acampamento teve início com uma pequena barraca azul que foi chantada em pleno pátio interno do belo edifício do legislativo municipal, pontapé inicial que culminaria com mais de trinta barracas armadas e ocupadas por mais de cem acampados. 

A Câmara de Vereadores de Natal, internamente, se assemelha a um grande teatro; e foi nesse ambiente que por onze dias o agrupamento de jovens se avolumou, armando barracas de coloridos matizes, organizando ruas e bairros, expondo  símbolos e construindo um espaço público e coletivo onde eram realizadas atividades lúdico-recreativas e, principalmente, plenárias públicas, que eram denominadas de audiências populares. 

As decisões, tomadas coletivamente depois de exaustivos debates, fizeram do acampamento Primavera sem Borboleta um mundo particular, uma experiência política única, uma vivência humana tal que viria a marcar, feito tatuagem, os corações e as mentes daquelas pessoas.

O lugar, o pátio interno da câmara de vereadores, que, como já foi mencionado, tem a aparência de um teatro, foi palco de ações políticas, artísticas e culturais que marcariam a história da cidade do Natal. Ações essas protagonizadas por jovens que defendiam as mais diferentes linhas de pensamento, mas que tinham como elo principal a luta contra o desgoverno da prefeita e de seus incompetentes assessores.

Os primeiros dias foram tempos de tensão, as tentativas de marginalizar o movimento, feitas por Micarla de Souza e seu exécito, motivaram no coletivo uma organização ainda mais coesa, criando laços de confiança e respeito que perduraram durante todo o período da ocupação do prédio.
Vencida a tensão, o pátio da Câmara de Vereadores de Natal tornou-se o locus de vivência de todo aquele coletivo; que, ciente da importância daquela ação, deu início a um estilo de convivência onde a solidariedade, a fraternidade e o amor eram vividos em toda a sua essência. Vivência essa, que permitia com que o cansaço que abatia os corpos tensos fosse diminuído pelo carinho coletivo e pelos abraços e sorrisos que partiam de tod@s e eram compartilhados por tod@s em todos os momentos.

Alegres eram as partidas de peteca, quando, em círculo, ao centro do pátio, jogando a peteca para o alto, em revezamento, contava-se até o sétimo lance para então, numa ação enérgica, lançar vertiginosamente em direção à pessoa mais desatenta o pequeno objeto, que ao alcançá-la permitia com que, tal pessoa, aguçasse sua atenção e retomasse o seu vigor.

Presença marcante fez o coletivo do Pau e Lata, grupo musical, percussivo-político, que, tirando música de instrumentos pouco convencionais como tambores de plástico e latas, deu o tom musical do acampamento, sonorizando estrondosamente o ambiente com o intuíto de expulsar a famigerada borboleta que se aboletou, inadvertidamente, no centro do poder municipal. As tocadas percussivas do Pau e Lata, organizadas sempre em círculos, ecoavam por todo o pátio da Câmara e, encontrando barreira nas paredes do edifício, ascendia aos céus, até alcançar os ventos cíclicos que as fizessem ecoar pela cidade, levando, em ondas magnéticas, um sonoro #FORAMICARLA. 

Enquanto o som estrondoso do Pau e Lata ecoava pela cidade; no pátio da Câmara municipal o acampamento inteiro dançava freneticamente e cantava vociferamente cantigas que enalteciam a sua luta de resistência. Músicas de letras simples que permitiam a participação de tod@s na formação de um grande coral, músicas, que, quando cantadas, fazia aflorar  um grande coletivo vocal capaz de fazer ecoar palavras, mas não simples palavras, e sim palavras cantadas que se revelavam com a mais intensa emoção. E, sob a batuta do maestro que regia a batucada do Pau e Lata, o coral dava início às canções, uma delas conclamava a tod@s que vinham prestar solidariedade aos acampad@s dizendo, em rítmo de ciranda e dançada em círculo, “companheiro me ajuda/ Que eu não posso andar só/ Eu sozinho ando bem/ Mas com você ando melhor”, essa letra era repetida inúmeras vezes, cantada em muitas vozes e ouvida por centenas de pessoas que se emocionavam com a força que ela evocava, vislumbrando a união e fazendo com que tod@s, de mãos dadas, cirandassem por todo o pátio.

Uma outra canção, essa de forte apelo afirmativo, cantada a cada vitória que o acampamento veio a ter, e que também falava de união e fortaleza, fazia vibrar o pátio do legislativo municipal, com pisadas fortes e ligeiras, ecoando em uníssona voz, “Pisa ligeiro/ Pisa ligeiro/ Quem não pode com a formiga/ Não assanha o formigueiro”, fazendo, nos jardins do belo edifício, surgir um imenso formigueiro humano disposto, em pleno tempo chuvoso, a carregar para as profundezas da terra o corpo inerte da maléfica borboleta.

O amanhecer no acampamento, no início muito tenso, foi com o passar dos dias se tornando manso, até alcançar a paz do acordar ao som da flauta, numa melodia matinal capaz de fazer levantar o sol para tod@s e expulsar todos os ratos da cidade.

E, se tod@s estavam em um teatro, ou em um espaço arquitetonicamente teatral, o acampamento se tornou cena, e, em cena ação, o Primavera sem Borboleta firmou-se, então, tal qual uma luta dos oprimidos contra a opressão dos poderosos, revivendo o ensinamento de Augusto Boal, convencendo-se da importância da luta e da resistência do povo contra o motor repressivo dos conservadores de plantão. 

O Teatro do oprimido, tal qual concebia Boal, foi vivenciado, experimentado, aprendido, provocando n@s integrantes do acampamento o desejo de resistir a toda e qualquer opressão que, por ventura, pudesse partir d@s poderos@s.

Renovad@s pelo debate suscitado pela apresentação teatral realizada no pátio da Câmara de vereadores pelos companheir@s que participaram da oficina de Teatro do oprimido, @s acampad@s decidiram então tramar a sua luta de resistência. 

A paz, que invadia o coração de tod@s, fazia fluir pensamentos que afirmavam ser o amor e as coisas simples bem maiores do que qualquer forma de opressão. Receber @s companheir@s do MST e do MLB, com flores brancas no roll de entrada do edifício do legislativo municipal, foi de uma emoção tamanha, somente comparável com o sentimento de quem estava ao lado, empunhando crisântemos brancos, chorando, sorrindo e cantando; tendo a certeza de que não estava só e que muitos companheir@s se somavam à luta contra a opressão fustigada pelo poder municipal.

Interessante foi encontrar as pessoas que participavam de numa maratona de saúde e competição que, cursando a Avenida Campos Sales, em frente ao edifício da Câmara, instigou a tod@s, a mais um momento de criação, era a hora de propor uma nova palavra de ordem que bradava de forma cômica: “Quem não corre quer Micarla”, e, como tod@s que estavam na maratona corriam no afã de  atingir a faixa de chegada que estava próximo ao Atheneu norte-riograndense, tod@s que estavam na corrida, sem querer, se juntavam aos companheir@s acampad@s, que ao  penetrarem na maratona corriam, carregando adereços, bradando a palavra de ordem e se divertindo com @s maratonistas que vibravam e aplaudiam @s acampad@s.

Envolver a tod@s da cidade, no mundo globalizado, tornou-se uma necessidade, e, enquanto a mídia local noticiava sobre o fato, sendo, em alguns muitos casos, complacente com @s poderos@s, a twitter cam do @xôinseto transmitia para o mundo inteiro, em tempo real, todo o acontecimento. Fiel ao conceito de mídia independente e classista, o twitter @xôinseto anunciava,  para todos os cantos, as ações e emoções de tod@s acampad@s. Foram horas e horas de transmissão ininterrupta, captando a essência da luta de resistência, do modelo de organização popular do movimento, realçando falas, enaltecendo palavras de ordem que afirmavam a firmeza de resistir, e fazendo ecoar vozes cansadas em gritos roucos que diziam: “até que tudo cesse, nós não cessaremos”. E ninguém cessou.

Apesar da leitura tosca da mídia borboleteante, da injustiça do pleno do Tribunal de justiça do estado, de parte do mundo lá fora alheio a tudo o que estava acontecendo, a luta continuou, e teve como aliados muitos companheir@s jornalistas comprometidos com o fim da opressão, que documentaram, em escrita e em imagem, todos os momentos vividos pel@s acampad@s.

O ápice do acampamento Primavera sem Borboleta ocorreu no momento de maior tensão, quando, à espera pelo resultado da ação que transcorria no STJ, ação essa acionada pel@s companheir@s do curso de Direito da UFRN, integrantes do programa Lições de Cidadania; visto que a decisão do pleno do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, espécie de elite do judiciário do estado, havia sido negativo para @s acampad@s; tod@s, apreensiv@s, vislumbrando uma possível invasão policial no intuito de acabar com o acampamento no edifício da Câmara de vereadores, sentaram-se ao chão, em círculos, enlaçando braços, mãos e pernas, construindo uma mandala humana com mais de cem pessoas, numa posição de defesa coletiva capaz de evitar a opressão das forças policiais, tendo na sacada, no primeiro andar do prédio, o grupo Pau e Lata que, voltado para a mandala, iria tocar o Hino Nacional Brasileiro com o intuito de impedir que os policiais avançassem contra os acampad@s. 

Era dia de casa cheia, pois muita gente fora convidada pelas redes sociais para prestar solidariedade ao acampamento. E, com a resistência organizada, ao cair da noite chegou o resultado da decisão do STF. O resultado foi favorável @s acampad@s produzindo então uma grande festa no pátio do prédio da Câmara que perdurou por quase toda a noite, um gozo coletivo, um gosto de vitória sentido por todas as papilas gustativas existentes nas mentes de tod@s, e tal qual uma turba pacífica, os acampad@s dançaram ao som da batucada do Pau e Lata, cantando incansavelmente: “Pisa ligeiro/ Pisa ligeiro/ Quem não pode com a formiga/ Não assanha o formigueiro”, transformando o pátio do legislativo municipal no mais representativo formigueiro humano que aquele prédio já conheceu.

Entre luta e arte é indubitável afirmar que o acampamento Primavera sem Borboleta inaugurou uma nova forma de fazer política em Natal, extravasando o convencional, expondo a arte em favor da luta do povo e criando um vínculo de amor entre tod@s que, com certeza, o tempo, que foi testemunha, terá dificuldade de colocá-lo no esquecimento.

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*Bosi, Ecléia. Memória e sociedade, 1994.
**ROLNIK, Raquel. O que é cidade, 1988.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Para onde anda o movimento “Foramicarla”: reformista ou revolucionário?



Texto por Davide Giacobbo Scavo, professor de Ciências Sociais da UFRN

Vivemos uma época histórica. Um tempo de luta que marcará o nosso amanhã. O 2011  é repleto de manifestações populares que expressam uma grave doença mundial. Começou-se com as revoltas árabes em Tunis e Cairo, passando sucessivamente para Atenas, Madrid, Barcelona, Paris Santiago do Chile, Londres. O que está acontecendo? Por que massas estão enfurecidas, lutando sem temer a repressão violenta do Estado?

O capitalismo vive uma crise estrutural, apresentando depressões cíclicas de superprodução sempre mais frequentes, taxas de lucro decrescentes, amedrontadores déficits públicos, esgotamento dos recursos naturais. Não é apenas uma crise do modelo neoliberal, mas um colapso do sistema capitalista, com características depressivas e recessivas.

Uma crise econômica e política, aparecendo em todo o mundo evidentes sintomas de esgotamentos, fissuras profundas que afetam a legitimidade e a eficácia da democracia liberal, que sempre mais frequentemente aceita a exclusão social e o empobrecimento massivo em nome do eficientismo econômico, sacrificando os originários valores democráticos no altar do mercado, relegando o povo à quase passividade, possibilitando o uso de sua “soberania”, de tempos em tempos - no momento da eleição -, escolhendo entre as opções que lhe são apresentadas pelas elites organizadas.

Um capitalismo ferido que reage ferozmente, tentando de tudo para sobreviver. Estão retirando progressivamente direitos sociais conquistados com decênios de luta e sangue, transformando as nossas vidas em mercadoria em um processo de privatização do público e publicização do privado. O FMI se tornou referencia nas políticas econômicas, impondo corte nas políticas sociais, privatizando todas as esferas da vida humana, impondo lógicas de desemprego generalizado, cancelando acordos previamente firmados com sindicados, privatizando o patrimônio público, cortando aposentadorias, buscando desacreditar a política e tudo o que é público, representados como esferas dominadas pela ineficiência, pela corrupção e por um ingênuo romantismo.

A situação em que vivemos dificilmente poderia ser mais contraditória do que já é. Um presente obscuro e indefinido, onde os modelos de substituição tardam a surgir no horizonte das sociedades contemporâneas, onde, parafraseando Antonio Gramsci, “o velho não acaba de morrer e o novo não acaba de nascer”.

Porém algo se move. Enchem-se ruas e praças do mundo capitalista, jovens e aposentados lutam conjuntamente, abrindo uma época de intensas mobilizações de massas.

Neste panorama de confronto, o que acontece na sonolenta cidade de Natal? Aqui se luta também. O movimento popular “#ForaMicarla” forneceu um grande exemplo de democracia, pluralidade, diversidade, um interessante laboratório de propostas políticas em oposição aos governantes que decidiram isolar-se do povo, em nome de governabilidade e que agora vivem sempre mais em baixa, reclusos e assediados pelo povo.

Qual é o potencial e o limite do “Foramicarla”? É um movimento reformista, interessando na luta eleitoral ou é um movimento revolucionário, comprometido com os excluídos, os perdedores, os sem nada?
Sem uma critica ferrenha a um modelo econômico centrado no lucro, sem a transformação radical das relações de poder, sem trabalho de base nas periferias, nunca construiremos formas de poder alternativo, nunca haverá democracia em Natal. Precisamos lutar para uma democracia mais viva, mais forte, mais audaz, radical, profunda e participativa, não podendo fugir do conflito de classes e da exploração do trabalho, ou seja, das injustiças que o modelo de democracia capitalista vive não seu interno e que impedem a sua expansão.

Para não correr os erros cometidos pela “mal chamada esquerda”, hoje governista, sempre mais reclusa na luta parlamentar, precisamos buscar uma verdadeira mudança que depende da auto-organização popular, social e política. É importante que o movimento “#FormaMicarla” seja a expressão da grande massa excluída. O motor da mudança passa por baixo, por os excluídos, os desempregados, os moradores das favelas, os sem casa, os sem terra, os não consumidores.

“#ForaMicarla” nasceu na Universidade, representando uma resposta popular ao descanso de uma administração vergonhosamente comprometida com as elites econômicas que dominam a cidade de Natal. Agora o movimento não pode parar, tem o compromisso moral de sair da Universidade e ocupar as periferias, é preciso ganhar a população, criticando a hegemonia ideológica e o controle político do capital, rompendo com as políticas neoliberais, incorporando no seu interno os movimentos sociais, os trabalhadores explorados, os povos das periferias. A participação popular é indispensável para o crescimento do movimento, incentivando a luta contra os nossos verdadeiros inimigos: a classe capitalista e seu projeto de dominação econômico, político, ideológico. A emancipação da classe subordinada e sua verdadeira inclusão se dá em um processo democrático de luta, quando a grande massa tem a oportunidade de tomar as decisões sobre o seu próprio destino em um processo de autodeterminação popular. “#ForaMicarla” não pode ficar restrita à esfera pública, precisamos ir além, operando no econômico, no social, no ideológico, agindo nos lugares de produção, modificando as relações desiguais entre o proprietário dos meios de produção e o trabalhador dono da força de trabalho, democratizando o acesso aos meios de informação.

A luta de #ForaMicarla, suas manifestações, seus protestos, suas ocupações representam a escola da democracia. A práxis do movimento ação é fundamental pela tomada de consciência, sendo ação e conscientização dialeticamente inseparáveis. Quanto mais a massa se auto organiza e age mais se conscientiza. Quanto mais se conscientiza, mais age. Quanto mais os explorados se organizam e lutam mais se conscientizam. A democracia só pode existir a partir de uma experiência concreta de luta, só através a ação é possível transformar a sociedade e transformar a si mesmos.

O movimento “#ForaMicarla” tem a obrigação de lutar junto aos excluídos, protagonizando e organizando um bloco de forças alternativo e estruturado, buscando uma sociedade mais justa e solidaria, incorporando as experiências dos movimentos sociais, indígenas, camponeses, negros, mulheres e ambientalistas. Uma luta que se deve desenvolver cotidianamente abaixo da superfície, como toupeira que opera dia a dia, hora a hora, com o aporto fundamental  da práxis revolucionaria da massa popular que representa hoje o fator decisivo, a rocha sobre a qual será edificado o socialismo.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Acompanhando a CEI dos Contratos


Aos cinco dias deste mês de setembro, a juventude de Natal se organizou através das redes e mídias sociais para apresentar uma pauta de reinvindicações aos vereadores e protestar contra manobras políticas que visam obstaculizar as investigações da CEI dos contratos administrativos da gestão Micarla de Sousa.


O que ocorreu foi um protesto pacífico e bem humorado, que utilizou a mística e o lúdico como um instrumento político. Manifestantes armaram barracas às portas da CMN para lembrar os onze dias de ocupação que acarretaram o estabelecimento de investigações, realizaram um sepultamento simbólico da gestão municipal, entoaram palavras de ordem.



Ocorre que o livre trânsito de populares nas dependências da Câmara Municipal de Natal foi proibido, ao arrepio das normas Constitucionais que garantem a livre manifestação de pensamento. Ainda mais, os manifestantes foram ofendidos por a guarda legislativa e por sua chefia, um tenente coronel da polícia militar.

Manifestantes chegaram a ser mantidos em cárcere privado nas dependências da casa, enquanto do lado de fora outro grupo se recusou a protocolar a pauta de reinvidicações em qualquer lugar senão a casa do povo, a Câmara de Vereadores.


Tais fatos ocorreram no dia em que o Ministério Público abriu investigações sobre um escandaloso contrato de aluguel efetuado pela gestão municipal, que teve uma licitação direcionada (único imóvel na região capaz de cumprir com os requisitos do certame licitatório), e que beneficiava parceiros políticos da Prefeita.

Após mais de quatro horas de espera, com a intermediação da Ordem dos Advogados do Brasil e de entidades de direitos humanos, os manifestantes conseguiram protocolar as suas reinvindicações, no pátio da Câmara Municipal.

Os manifestantes não temem a opressão, e sentem bastante prazer em incomodar a incompetente gestora, assim como seus inoperantes aliados na Câmara Municipal. “Até que tudo cesse, nós não cessaremos!”.

A seguir transcreve-se a pauta de reivindicações:

“Natal, 05 de Setembro de 2011

O Movimento #FORAMICARLA vem a público, a Câmara Municipal e aos vereadores e vereadoras integrantes da CEI apresentar uma pauta de reivindicações a respeito do andamento da CEI dos Contratos instalada a partir do acampamento #PRIMAVERASEMBOBOLETA.

- Calendário com as reuniões da CeI divulgado ampla e publicamente;
- Reuniões abertas à população;
- Transmissão das reuniões da CEI pela TV Câmara;
- Audiências públicas mensais para a apresentação de relatório com o avanço das investigações da CEI;
- Realização de uma audiência pública com o Ministério Público a respeito da documentação entregue pela Prefeitura Municipal do Natal;
- Autorização da entrada d@s integrantes do #ForaMicarla que estiverem com seus cadastros no banco de dados da Câmara, como todo e qualquer cidadão, para que assim não ocorra como sempre, os atos de truculência da Guarda Legislativa Municipal, sob o comando de um tenente coronel da PM (João Nogueira) que demonstra-se totalmente despreparado para o exercício da função.

E comunicamos que a partir deste momento nós também estaremos “desenterrando” a Operação Impacto e solicitamos a atenção e compromisso de tod@s com a justiça e combate a corrupção em nosso município.

Documento encaminhado à:

Júlia Arruda, Sargento Regina, Júlio Protásio, Chagas Catarino e Adenúbio Melo

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

EDIS, PRO PUDOR!


      Vereadores, ó vergonha! Ó vergonha era uma exclamação muito usada antigamente, desde as calendas lunares do judaísmo. Nos tempos dos profetas, do dilúvio, em que barco era conhecido como arca e vergonha significava vestimenta.
       Hoje, cada vez mais curta, a vestimenta vai perdendo a sua originalidade pudenda, dando lugar a impudicícia. A nudez destaca-se eroticamente por entre minúsculas indumentárias, muitas vezes, deixando a desejar ao menor senso estético.
       Barrigas de pantagruéis escorregam pesadamente sob pequenas blusas. Fartos seios, de tão apertados, parecem querer explodir, tendo à mostra os mamilos à meia lua. Quando não, corpos lazarinos, digamos, esteticamente delgados, de proporcionadas protuberâncias, bem marcadas por roupas ajustadíssimas, parecendo éguas encilhadas, com o rabicho a roçar-lhes o fundilho e a rabichola a acariciar-lhes as coxas.
       Esse vestir que se transformou em moda é tido como de pouca vergonha. E o vestir dos representantes municipais na Câmara?  Na casa do revolucionário de 1817, Padre Miguelinho, cuja vida foi sacrificada em defesa da honra? É do mais alto rigor e compostura, da mais nobre decência inglesa. Tudo de acordo com a etiqueta exigida pelo regimento interno da Casa, para a ilustríssima função, cujo vestuário deve assemelhar-se em pureza, ao das vestais: virgens guardiãs do templo de Afrodite, a deusa do amor.
       Segundo a história, uma vestal, após o assassinato do imperador Júlio César, recusou tentadoras propostas dos assassinos do imperador, dentre eles, o seu enteado e senador, Brutus, para que ela não revelasse o nome do sucessor de Júlio César, seu sobrinho Otávio.
       Por acaso, há vestais na casa do povo? Pitonisas sei que as há. E que pitonisas! Ó vergonha! Não amealham para o Templo, mas, para suas bolsinhas.
       Os edis devem vestir-se com a metáfora hebraica do vestir; isto é: da vergonha e imbuir-se da honradez que a nobre função lhes confere. Deixem a pouca vergonha com as libidinosas “éguas” e a sem-vergonheza com os contumazes amigos do alheio, bem longe da egrégia casa do povo.
    

Edilson Freire Maciel
Articulista

Tragédia, Políticos e Política

Tragédia, Políticos e Política

          O nosso idioma tem uma forte influência greco-latina, a palavra tragédia advém do grego, tragói, canto de bode que significa algo agourento, catastrófico, muito ao gosto dos antigos gregos, cujo grande expoente foi o filósofo Sófocles.
          Confúcio, o que mais almejava era conhecer o verdadeiro significado das palavras, isto é, a sua etimologia. Nietzsche e Shopenhauer, filósofos alemães, dedicaram-se a esse estudo. O primeiro, no seu livro “Genealogia da Moral”, relaciona a palavra nobre a “verídicos”.
Assim designava-se a nobreza grega, significando alguém que é real, verdadeiro, em oposição ao homem “embusteiro” da plebe. Já o segundo, no seu livro a “Arte de Escrever” faz severas críticas aos intelectuais que desconhecem as línguas antigas.
           A palavra político, de etimologia grega, significa demagói, demagogo, mentiroso. Tem sua origem histórica greco-latina na Ágora e no Parlatore, com o surgimento das novas técnicas do discurso socrático, o sofismo a arte de argumentar a meia verdade.
           Demóstenes, em sua luta contra os demagogos, pede ao povo ateniense que se aprimore, para melhorar o estilo dos oradores. Talvez tenha sido por isso que Niestsche reservava respeito por aqueles que punham a sua vida em risco, em nome de um ideal.
           Da política, dizia Karl Popper, a lógica é o discurso. Foi Platão quem definiu a essência do discurso entre episteme e a doxa. Episteme é o discurso erudito com embasamento científico, a doxa é o discurso do senso comum, simplório, empolgante, e de apelo sentimental.
           Geralmente na política da doxa, os discursos, a publicidade política está desvinculada da história das lutas sociais e políticas de um povo.
É muito comum essas ideias serem focadas em propostas vagas de esperança, renovação, responsabilidade, transparência, etc; enquanto nada disso acontece, as nossas fauna e flora política convivem tranquilamente num rico e verde, muito verde, verdejante jardim.
         Estamos muito longe de alcançar a lição de Demóstenes, ou de superar o paradigma bismarkeano, de que a política é a arte do possível.
         Só nos resta a certeza do Bhagavad-Gita: como as borboletas se precipitam na flama brilhante, assim os homens correm para a sua perdição.


Edilson Freire Maciel
Articulista.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

UMA ROSA PARA A PROFESSORA

Havia uma rosa no cabelo, no vestido, sobre o birô da professora. As pétalas soltas tingiam de rubro a madeira lisa, escura, tamanho o zelo pelo ambiente de trabalho, qual extensão do próprio corpo. Dele exalava a mistura de cheiros do óleo de peroba e de rosa.
            Ninguém ousava macular aquele móvel que parecia sagrado. Por trás, o quadro negro; nele, escrito em letras cursivas, arredondadas, simétricas, a frase: Bom dia! Sob a escrivaninha, viam-se os lustrosos sapatos pretos da professora em suaves movimentos excitando olhares logo dispersos, reprimidos do desejo incestuoso para com a representação do imaginário de mãe e musa.
            O mais ousado era ser o príncipe do conto de fadas da Cinderela e encontrar, perdido, o sapatinho da professora; talvez ganhar-lhe simpatia, ou um singelo beijo. Eis a intenção de um aluno edipicamente enamorado que pulava ao tentar alcançar uma rosa pendente sobre o muro, sujar a farda de cal, arranhar mãos e braços, até conseguir arrancar um botão vermelho tal o sangue que brotava da mão furada por espinhos.
            Sensação de infinito era quando se olhava para o alto, pois a rosa parecia estar dependurada no céu, a desafiar corações arrebatadores. O esforço heroico contentava-se com um pequeno resultado, fruto de um enorme sentimento, o jarrinho de porcelana branca, manchado; dentro, um pequeno botão em fragrância adornava a sala de aula.
            Havia mil rosas no coração da professora; roubaram-nas com os sonhos. Sem eles não há esperança, o trabalho transforma-se numa atividade depressiva, resume-se na relação de trabalho-pão-trabalho, resultando numa educação maçante e desmotivadora.
            O novo paradigma não fecha o círculo; deixa uma abertura para a criatividade na seguinte relação de trabalho-pão-e-poesia, eis a educação livre e criativa que transcende institucionalismos reacionários e entrópicos da superestrutura do poder, tal qual o vigiar e punir, cujo exemplo encontra-se no excelente artigo do Ilmº professor da rede estadual de ensino, Dickson de Medeiros Sales, editado no Jornal de Hoje, a 20 de Julho do corrente ano, com o título: A Greve, o Judiciário e o Professor Jumentinho.
            Nesse artigo, o professor indigna-se com a metáfora chula de um desembargador, que vilipendiou a nobre categoria dos professores, comparando-os a jumentinhos, afirmando que desde criança era contra a greve. Por ele, os educadores não deveriam receber os seus salários. Quanto maquiavelismo!
            Há uma tradição judaica que diz – O professor é mais importante do que um pai. Em nossa tradição nordestina, as boas famílias ensinavam a respeitar os mestres, considerá-los pais ou mães. Pobres dos que não os veneram; desrespeitam-nos e, com nababos vivem da injustiça.
            Haja luz nas trevas jurídicas potiguares. Não era sem razão que Santo Agostinho qualificava os Estados de “magna latrocínia”. É preciso afirmar, o rei está nu, dito não por uma criança ou bufão, na famosa expressão de Calderón; de La Barca: Ao rei, tudo, menos a honra. Não precisa ter a estatura intelectual de um Calderón, basta a estatura física dos comuns dos mortais, a sensibilidade para indignar-se.
            Pedagói, escravo, professor, na infância da civilização grega, onde se originou a etimologia do substantivo professor, essa era uma profissão exercida por escravos. Infelizmente, há quem veja a realidade contemporânea com o olhar da infância da civilização ocidental greco-romana, ache que professor é escravo; o estado, único ente de direito.
            Miopia maior é conceber o mundo com o olhar da própria infância, a qual corresponde à fábula oriental do cego e o elefante, que de tanto tatear os membros do animal, nunca chegava a compreender o todo. Entender o todo é compreender as causas e as consequências, foi o que fez Moisés, ao liderar a primeira greve de pedreiros escravos no Egito, levando-os à libertação do cativeiro, sob a orientação de Deus.
            Aristófanes, 450 anos a.c., usou a temática da greve com a sua personagem Lisístrata, que fez a primeira greve de sexo da história, para evitar o recrutamento de jovens para a guerra do Peloponeso, entre Atenas e Esparta. Sem falar nos bebês, que fazem greve contra o silêncio para serem alimentados; daí a velha expressão tão conhecida: “Quem não chora não mama”. Há também os que mamam sem chorar. Não são crianças, mas adultos glutões contra tudo o que é do povo.
            Foi por compreender a história e o direito, que o historiador romano Tito Lívio, 59 anos a.c., legitimou a luta contra a opressão, ao afirmar que as armas são sagradas para quem delas necessita.
            Ser contra a greve é ir de encontro ao universalismo que rege as constituições dos países democráticos. Seria retroceder à Grécia antiga, no poder dos trinta tiranos. Dâmocles, com a espada em punho, arrebatada da deusa Themis, seguindo as ordens do “deus” Thiresias, a fechar ágoras, calar vozes, derramar sangue.
            Há quem tenha saudades de um passado recente, tenebroso, que enlutou a vida política brasileira, com os seus Dámocles e Thiresias. O ovo da serpente foi chocado para eclodir a falsa aurora, em que não há uma rosa no cabelo, no vestido, no birô nem prenda de botão de rosa.
            Sem metáfora, sob o sapato cor de rosa da professora, uma rosa esmagada a tingir o chão; na alma agitada, quais trigos de Van Gogh na “Tempestade”, vislumbra-se o poema de Gertrude Stein: uma rosa é uma rosa é uma rosa.
            Trágico. A rosa que não é rosa!


Edilson Freire Maciel
Articulista

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

#FORAMICARLA: A INDIGNAÇÃO DO POVO POTIGUAR


No decorrer dos últimos dois anos de nossa cidade, chegamos ao auge do desgoverno, nunca se viu na administração pública natalense, tamanha incompetência e descaso com os demais serviços públicos. A Prefeita eleita em 2008, Micarla de Sousa do PV, insiste que a cidade é sua propriedade particular, onde só ela e sua cúpula de corruptos (inclusive, muitos deles vereadores envolvidos na operação impacto e ainda impunes) podem beneficiar-se dos recursos públicos e que seu mandato é um cheque em branco e que todos(as) os(as) natalenses terão que se sujeitar ao abandono e a espoliação por parte dos seus representantes, uma vez que os elegeram “democraticamente” pelos seus votos na última eleição.

Nós, povo Natalense, estamos condenados em nosso dia-dia a inaceitável constante violações de direitos: as nossas crianças e jovens enfrentam grandes dificuldades para ir e se manter nas escolas, visto que não existem vagas, nem professores(as) suficientes,  e nem condições de trabalho adequadas. Muitos alunos frequentam as escolas apenas para se alimentarem e mesmo assim, muitas vezes se frustram com a falta de merenda; o transporte “púbico” é uma vergonha, somos obrigados(as) a utilizar ônibus lotados, que demoram a passar, em paradas sem o mínimo de segurança, com o preço da passagem caríssimo e abusivoAZ\X, acima das tarifas nacionais de transporte público; quando ficamos doentes, temos dificuldade em encontrar postos de saúde que funcionem de maneira eficiente, com remédios, médicos(as) e enfermeiros(as) em número que garanta um bom atendimento; Nossas ruas, embora de diferentes localidades, convergem em pontos comuns: lixo por todos os lados e buracos por todas as partes; Vivemos aflitos com a gritante falta de segurança, assaltos e homicídios fazem parte do nosso cotidiano; A juventude ociosa: sem emprego, sem lazer, sem esporte e sem cultura torna-se presa fácil do crime e do tráfico de drogas.

Chegamos a uma situação calamitosa, onde aquele(a) que não têm condições econômicas para comprar e garantir os seus “direitos” estão morrendo antes de ter finda sua existência, pois viver não é apenas acordar a cada dia, mas sim ter uma existência digna e saudável, no gozo de seus direitos fundamentais. Nossos representantes eleitos, tal como a prefeita Micarla de Souza, não se sensibilizam com a degradante situação, pois não se colocam na condição de igual com aqueles(as) que a elegeram, pelo contrário, incorporam o princípio da falsa superioridade e usam da máquina estatal exclusivamente para garantir seus privilégios e interesses particulares, esquecendo ou deixando de lado o bem-estar coletivo. A atual gestão municipal bate rercord em quebra de licitações, troca de secretários e escândalos. Contratos de aluguéis superfaturados, copos descartáveis a preço de louça imperial, lavanderia pública fictícia e zoológico imaginário fazem parte da gama de escândalos rotineiros. 

Por outro lado, no falacioso mundo mágico da borboleta, produzido pela mídia publicitária da prefeitura, arcado com excessivos gastos de dinheiro público, vivemos em uma Natal da fantasia, em que tudo é lindo e maravilhoso, onde toda a população está satisfeita com as suas ações fictícias, uma vez que todos(as) os cidadãos(ãs) têm o pleno acesso a segurança, saúde, moradia, lazer, cultura e educação de qualidade, visto que a prefeita “trabalha aqui e trabalha agora”.

Entretanto, voltando ao mundo real, dos que soam e sangram, dos estudantes, dos trabalhadores(as), daqueles(as) que têm que trabalhar duro para garantir o pão de cada dia, nesse mundo real marcado pelas desigualdades, injustiças e exclusão social à insatisfação do povo natalense com a atual administração municipal cresce de forma exponencial, produzindo um sentimento de revolta e indignação no seio do povo potiguar. Estamos em um momento de intensa reflexão crítica, sobretudo, naqueles(as) que elegeram a atual prefeita no 1ºturno, que agora se perguntam se realmente votaram certo e, se não, como fazer para acabar com esse tormento.

Diante de tamanha incompetência, falta de seriedade, falta de responsabilidade e falta de compromisso com aqueles(as) que a elegeram, surgiu legitimamente o movimento #FORAMICARLA: na luta pela dignidade do povo potiguar, inspirado no espírito do tempo mundial de desmoralização da democracia representativa, as palavras de ordem ecoam tanto aqui como lá no Egito, na Espanha, no Chile, na Grécia e por todo o planeta: “ELES NÃO NOS REPRESENTAM!”

Organizado e articulado, principalmente, pelas redes e mídias sociais, o movimento #FORAMICARLA ganhou força nos ciberespaços e evoluiu rapidamente. De forma irreverente, marcado pela horizontalidade, pluralidade e auto-gestão o Movimento uniu trabalhadores(as), estudantes, apartidários e partidários, socialistas e anarquistas, “istas” e “não istas”, estimulando a construção de uma consciência crítica entre as pessoas, numa militância plenamente pacífica e cidadã. Rompeu significativamente com a apatia e a inércia do povo natalense. A quem diga que para entrar no Movimento “basta um pulo, e quem não pula quer Micarla”.

O #FORAMICARLA de maneira espontânea ganhou as ruas. O primeiro ato aconteceu em frente ao shopping Midway, no dia 25.05.11, superou as expectativas, com aproximadamente duas mil pessoas, mostrou a grande força por parte do Movimento nascido na internet. O segundo ato foi ainda maior, no dia 01.06.11, uma grande marcha num percurso de aproximadamente 10 km com mais de duas mil pessoas pelo asfalto no complexo viário. Já o terceiro foi decisivo, dia 07.06.11, diferente dos atos passados, ocorreu durante o dia, pela manhã, na chuva, com bem menos pessoas, contudo, esse ato gerou um dos episódios mais marcantes da história de luta do nosso povo guerreiro, a ocupação na sede do Poder Legislativo, que ficou conhecida como acampamento “Primavera sem Borboleta”.

Foram 11 dias de muita luta, suor, lágrimas e glórias, provando de fato que a Câmara Municipal é a casa do povo, que quando é preciso o povo vem e fiscaliza. O acampamento tinha como lema “ocupar, resistir e produzir” e era organizado em várias comissões (jurídica, segurança, comunicação, cultura, limpeza, financeira, alimentação e outras). Os primeiros gastos do acampamento quanto alimentação foram custeados pelos próprios acampados, mas rapidamente a sociedade (sobretudo os sindicatos, professores(as), estudantes, trabalhadores(as), MST e MLB) se solidarizou com os companheiros(as) de luta. O objetivo do acampamento na Câmara Municipal de Natal era exigir que os vereadores cumprissem o seu dever constitucional de fiscalizar o Poder Executivo. O #FORAMICARLA exigia como pauta principal uma Comissão Especial de Inquérito limpa e transparente, que não violasse o art. 37 da nossa louvável Constituição Federal de 1988.

Inicialmente, as mídias burguesas com o intuito de dar manutenção aos interesses daqueles que os financiam, tentaram sabotar a todo custo o Movimento #FORAMICARLA, distorcendo e omitindo as informações acerca dos reais acontecimentos do acampamento, chegando até a implantar drogas na ocupação para ferir a reputação do Movimento. Contudo, se os jornais tradicionais são dos políticos e “poderosos”, o twitter e as demais redes sociais são nossas. Não demorou muito para o “Primavera Sem Borboleta” ganhar todo o apoio da população Natalense e repercutir por todo Brasil, ganhado até edição diferenciada em revistas de grande comprometimento com a verdade, tal como a Carta Capital que destacou em sua matéria “Primavera Potiguar” o #FORAMICARLA como um dos movimentos sociais, nascido na internet, mais expressivos do país.

Depois de esgotar todas as possibilidades de usar a repressão e truculência policial com os manifestantes, os vereadores tiveram que ceder após decisão do STJ e assinar acordo com os membros do acampamento na presença do Ministério Público Estadual, OAB e Conselho Estadual de Direitos Humanos, atendendo todas as reinvindicações do Acampamento Primavera Sem Borboleta.

Essa vitória do povo potiguar foi uma simples amostra do poder popular, que mostrou aos descrentes da luta que vale a pena lutar, pois nesse episódio o(a) cidadão(ã) comum provou que também é protagonista de sua história, que fatores condicionantes não são poderes determinantes, que a realidade é essa, mas poderia ser outra bem diferente. Como dizia o grande sábio Paulo Freire: “O futuro não nos faz, nós é que o nos refazemos na luta para fazê-lo”.

A luta, portanto, continua. Mas agora, sabemos na práxis que “o povo unido jamais será vencido”, juntos andamos bem melhor. Nesse momento a Primavera Potiguar encontra-se nos diversos bairros da cidade, ouvindo aqueles que realmente aprendem pelas vias do corpo, sentido todo esse desgoverno na pele. O #FORAMICARLA tem a clareza e a consciência que existem outras lutas a serem travadas, algumas muito mais difíceis que esta na qual estamos engajados, pois não basta tirar Micarla, Paulinho ou Edivan Martins, vai além, a luta é por uma nova sociedade, sobre novos alicerces ideológicos, sem opressores nem oprimidos, em que os homens e as mulheres possam caminhar como iguais que são, e que possam ser respeitados pela condição natural de ser humano portador de dignidade, e não meramente por sua condição econômica como o que está posto hoje.

Nesse sentido, convocamos todos(as) os(as) que sentirem-se contemplados(as) pelas palavras e pelas ações do #FORAMICARLA a juntarem-se a nós, numa militância plenamente cidadã e democrática, na luta por nossos direitos, pela livre expressão de idéias, na denúncia contra as oligarquias, contra qualquer tipo de discriminação, injustiça, exploração e opressão, pois “ATÈ QUE TUDO CESSE, NÓS NÂO CESSAREMOS”.

Atenciosamente,

Gregório Bezerra Silva

Graduando do 5º período de Direito na UFRN
Coordenador de Articulação Política do Centro Acadêmico Amaro Cavalcante
Membro do programa em direitos humanos Lições de Cidadania.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Eu me organizando posso desorganizar

            Depois de um bom tempo de apatia política a juventude natalense insurge no cenário político local se propondo a discutir e intervir no rumo que a Capital Potiguar deve tomar. Motivada pelo descaso, além das várias denúncias de corrupção que assolam o governo da Prefeita Micarla de Souza (PV), a qual passa por um momento muito delicado, haja vista o total fracasso de sua gestão, facilmente identificado pelo mais desatento olhar de qualquer leigo. Em conseqüência têm-se não só a organização dos jovens, mas também a pressão política de partidos de oposição, de sindicalistas, não esquecendo aí, apesar da cultura política local ser passiva, a participação da sociedade civil como um todo, que cobra do governo Micarla uma postura mais humana e participativa com intervenção eficaz e inovadora, como assim havia sido prometido na época da campanha.
            Nesse contexto de mobilização popular, os jovens que, diga-se de passagem, representam em boa parte a classe média natalense, articulam uma “nova forma de lutar por seus direitos” e, de levar toda essa motivação as classes menos favorecidas. Aqueles que historicamente são excluídos do processo de discussão política. É bem verdade que no início desse debate surgido nas ditas redes sociais: Twitter;  FaceBook; Orkut e Blog´s, acreditava-se na inauguração de uma nova forma de se fazer política,  cuja prioridade forjava-se na horizontalidade, na democracia real e no coletivo, em si, como instrumentos de organização e deliberação do movimento instituído.
            A principio, já visualizava que esse movimento, que se propunha enquanto um instrumento mobilizador das massas populares da cidade, era na verdade um movimento apaixonado pelo o que se via nas linhas gerais de sua essência e efervescência: “a luta contra Micarla” e, assim sendo, com este único propósito, objetivava a conquista de corações e mentes desembocando na mobilização das camadas mais pobres da nossa sociedade potiguar. Erro notório! Entretanto, sabiamente os participantes do #foramicarla sentiram a necessidade de aglutinar e expandir mais as informações, dizer a sociedade o porquê de tantos jovens irem às ruas semanas seguidas culminando na ocupação da Câmara Municipal da Cidade e fazerem tanto barulho. Importa lembrar que esse movimento, ainda que, com muita dificuldade, conseguiu romper barreiras tradicionalmente impostas à juventude. O #foramicarla mostrou que a causa pode superar picuinhas como a participação conjunta de juventudes partidárias, apartidárias e anarquistas debatendo e construindo alternativas possíveis e viáveis para a organização da luta popular.
            A partir de então, verificou-se o que poderíamos chamar de “choque cultural”, e como dito acima, esse movimento com a cara da juventude classe média, indignada, por, pela primeira vez, sentir-se atingida pelo total descaso do poder público local. Ressaltando que não se trata do descaso com o social, antes, pelo contrário, se trata de descaso estrutural, que vai desde ao não calçamento de ruas, passando por inundações nos bairros nobres e buracos no asfalto, os quais atrapalham, por vezes, o fluxo de veículos no trânsito, além de ocasionarem furos nos pneus, quebra e/ou empenação de eixos dos carros da nossa classe média. Todavia, com o choque cultural através da aglutinação das várias juventudes já citadas, o cenário das indignações foi se transformando, se desprendendo das necessidades puramente individuais que estavam em jogo.  Com o advento das manifestações, bandeiras de lutas foram se agregando à luta desses jovens, como exemplo a CEI dos contratos, além de se pautar a construção da mobilização dos setores e áreas potiguares mais vulneráveis como as zonas norte e oeste da Cidade.
             O movimento ora falado, visivelmente, levou muito tempo para conseguir chegar até as camadas mais pobres, não sendo preocupação desse texto as diversas justificativas que levaram a essa intempestividade, ao contrário, esse ordenamento de palavras busca tão somente destacar e aplaudir a possibilidade concretizada de registrar experiências marcantes de pessoas que nunca tinham “atravessado a ponte” e após tal ação possibilitada pelo movimento, afirmar que depois do ato ficaram apaixonadas pela Zona Norte, que se impressionaram com a receptividade desse povo tão sofrido que encantam com os relatos e a vontade de também abrir sua garganta e soltar o seu protesto somando-se ao movimento, que dessa vez assume outro viés. 
Até então, só se falava em buracos, CEI´s e #foramicarla. Agora já se ouve: onde estão os postos de saúde? Porque estão fechados? Onde estão as escolas prometidas? Reivindica-se também segurança e habitação, se denuncia os conselhos corruptos que não articulam nada em benefício de suas comunidades, a falta de transporte digno e etc. O que se vê de fato, atualmente no movimento é a inversão de valores em que se pauta como central a questão das políticas públicas de qualidade com foco na dignidade da pessoa humana a partir de uma sociedade mais justa e igualitária, em que se prioriza a discussão dos problemas sociais partindo das necessidades das classes mais populares até às das classes médias.
            Destarte o avanço identificado ao longo do processo por que passou o movimento, alguns vícios ainda precisam ser extirpados, quais sejam: a realização de atos de cima para baixo em comunidades em que não se conhece a realidade cotidiana vivenciada por seus habitantes; a visão equivocada de que tudo tem que ser definido em plenárias constituídas em sua maioria por aqueles e aquelas que tiveram condições objetivas e subjetivas de acamparem na Câmara Municipal de Natal; o entendimento errôneo de que o #foramicarla nada mais é que o somatório irrisório daqueles e daquelas que articulam tais plenárias e a falta de entendimento, por vezes, ainda que não tão freqüente, da importância de nesse momento aglutinar todas as frentes de luta como sindicatos, juventudes partidárias, juventudes não partidárias, estudantes, trabalhadores e trabalhadoras da cidade, sociedade civil organizada em torno de uma pauta unificada.
 A guisa de conclusão, imprescindível se faz compreender que o movimento que surgiu no berço da classe média, não só pode como deve assumir novos horizontes, chegar à boca do povo, se unir as necessidades mais diversas do povo natalense. A concretização dessa realidade passa por assumir uma nova plataforma política, que exclua os oportunistas que tentam de forma camuflada se apropriar do movimento e construa uma cultura diferente em que possibilite a participação popular, que desperte nas pessoas que antes só viviam para o trabalho na busca de suprir suas necessidades imediatas a crença na importância de se organizar e lutar,  pois, como bem diz Chico Science eu me organizando posso desorganizar, e só assim organizados, conseguiremos desorganizar toda essa sujeira que há muitos anos assola nossa cidade. O movimento não pode ter como objetivo central derrubar Micarla, pois existem vários picaretas nessa cidade iguais ou até piores que ela, estando apenas a postos, à espera de sua vez para detonar a cidade e os interesses do seu povo. A luta tem que ser proposta na perspectiva da construção de uma nova cultura política, que consiga contribuir para a livre organização nos mais diversos setores da sociedade e que dessas organizações surjam as correlações de forças necessárias para as mudanças que precisamos.      

Altanir Morais, 25 anos, morador da ZN, ex dirigente da UBES, APES e UMES