segunda-feira, 29 de agosto de 2011

UMA ROSA PARA A PROFESSORA

Havia uma rosa no cabelo, no vestido, sobre o birô da professora. As pétalas soltas tingiam de rubro a madeira lisa, escura, tamanho o zelo pelo ambiente de trabalho, qual extensão do próprio corpo. Dele exalava a mistura de cheiros do óleo de peroba e de rosa.
            Ninguém ousava macular aquele móvel que parecia sagrado. Por trás, o quadro negro; nele, escrito em letras cursivas, arredondadas, simétricas, a frase: Bom dia! Sob a escrivaninha, viam-se os lustrosos sapatos pretos da professora em suaves movimentos excitando olhares logo dispersos, reprimidos do desejo incestuoso para com a representação do imaginário de mãe e musa.
            O mais ousado era ser o príncipe do conto de fadas da Cinderela e encontrar, perdido, o sapatinho da professora; talvez ganhar-lhe simpatia, ou um singelo beijo. Eis a intenção de um aluno edipicamente enamorado que pulava ao tentar alcançar uma rosa pendente sobre o muro, sujar a farda de cal, arranhar mãos e braços, até conseguir arrancar um botão vermelho tal o sangue que brotava da mão furada por espinhos.
            Sensação de infinito era quando se olhava para o alto, pois a rosa parecia estar dependurada no céu, a desafiar corações arrebatadores. O esforço heroico contentava-se com um pequeno resultado, fruto de um enorme sentimento, o jarrinho de porcelana branca, manchado; dentro, um pequeno botão em fragrância adornava a sala de aula.
            Havia mil rosas no coração da professora; roubaram-nas com os sonhos. Sem eles não há esperança, o trabalho transforma-se numa atividade depressiva, resume-se na relação de trabalho-pão-trabalho, resultando numa educação maçante e desmotivadora.
            O novo paradigma não fecha o círculo; deixa uma abertura para a criatividade na seguinte relação de trabalho-pão-e-poesia, eis a educação livre e criativa que transcende institucionalismos reacionários e entrópicos da superestrutura do poder, tal qual o vigiar e punir, cujo exemplo encontra-se no excelente artigo do Ilmº professor da rede estadual de ensino, Dickson de Medeiros Sales, editado no Jornal de Hoje, a 20 de Julho do corrente ano, com o título: A Greve, o Judiciário e o Professor Jumentinho.
            Nesse artigo, o professor indigna-se com a metáfora chula de um desembargador, que vilipendiou a nobre categoria dos professores, comparando-os a jumentinhos, afirmando que desde criança era contra a greve. Por ele, os educadores não deveriam receber os seus salários. Quanto maquiavelismo!
            Há uma tradição judaica que diz – O professor é mais importante do que um pai. Em nossa tradição nordestina, as boas famílias ensinavam a respeitar os mestres, considerá-los pais ou mães. Pobres dos que não os veneram; desrespeitam-nos e, com nababos vivem da injustiça.
            Haja luz nas trevas jurídicas potiguares. Não era sem razão que Santo Agostinho qualificava os Estados de “magna latrocínia”. É preciso afirmar, o rei está nu, dito não por uma criança ou bufão, na famosa expressão de Calderón; de La Barca: Ao rei, tudo, menos a honra. Não precisa ter a estatura intelectual de um Calderón, basta a estatura física dos comuns dos mortais, a sensibilidade para indignar-se.
            Pedagói, escravo, professor, na infância da civilização grega, onde se originou a etimologia do substantivo professor, essa era uma profissão exercida por escravos. Infelizmente, há quem veja a realidade contemporânea com o olhar da infância da civilização ocidental greco-romana, ache que professor é escravo; o estado, único ente de direito.
            Miopia maior é conceber o mundo com o olhar da própria infância, a qual corresponde à fábula oriental do cego e o elefante, que de tanto tatear os membros do animal, nunca chegava a compreender o todo. Entender o todo é compreender as causas e as consequências, foi o que fez Moisés, ao liderar a primeira greve de pedreiros escravos no Egito, levando-os à libertação do cativeiro, sob a orientação de Deus.
            Aristófanes, 450 anos a.c., usou a temática da greve com a sua personagem Lisístrata, que fez a primeira greve de sexo da história, para evitar o recrutamento de jovens para a guerra do Peloponeso, entre Atenas e Esparta. Sem falar nos bebês, que fazem greve contra o silêncio para serem alimentados; daí a velha expressão tão conhecida: “Quem não chora não mama”. Há também os que mamam sem chorar. Não são crianças, mas adultos glutões contra tudo o que é do povo.
            Foi por compreender a história e o direito, que o historiador romano Tito Lívio, 59 anos a.c., legitimou a luta contra a opressão, ao afirmar que as armas são sagradas para quem delas necessita.
            Ser contra a greve é ir de encontro ao universalismo que rege as constituições dos países democráticos. Seria retroceder à Grécia antiga, no poder dos trinta tiranos. Dâmocles, com a espada em punho, arrebatada da deusa Themis, seguindo as ordens do “deus” Thiresias, a fechar ágoras, calar vozes, derramar sangue.
            Há quem tenha saudades de um passado recente, tenebroso, que enlutou a vida política brasileira, com os seus Dámocles e Thiresias. O ovo da serpente foi chocado para eclodir a falsa aurora, em que não há uma rosa no cabelo, no vestido, no birô nem prenda de botão de rosa.
            Sem metáfora, sob o sapato cor de rosa da professora, uma rosa esmagada a tingir o chão; na alma agitada, quais trigos de Van Gogh na “Tempestade”, vislumbra-se o poema de Gertrude Stein: uma rosa é uma rosa é uma rosa.
            Trágico. A rosa que não é rosa!


Edilson Freire Maciel
Articulista

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

#FORAMICARLA: A INDIGNAÇÃO DO POVO POTIGUAR


No decorrer dos últimos dois anos de nossa cidade, chegamos ao auge do desgoverno, nunca se viu na administração pública natalense, tamanha incompetência e descaso com os demais serviços públicos. A Prefeita eleita em 2008, Micarla de Sousa do PV, insiste que a cidade é sua propriedade particular, onde só ela e sua cúpula de corruptos (inclusive, muitos deles vereadores envolvidos na operação impacto e ainda impunes) podem beneficiar-se dos recursos públicos e que seu mandato é um cheque em branco e que todos(as) os(as) natalenses terão que se sujeitar ao abandono e a espoliação por parte dos seus representantes, uma vez que os elegeram “democraticamente” pelos seus votos na última eleição.

Nós, povo Natalense, estamos condenados em nosso dia-dia a inaceitável constante violações de direitos: as nossas crianças e jovens enfrentam grandes dificuldades para ir e se manter nas escolas, visto que não existem vagas, nem professores(as) suficientes,  e nem condições de trabalho adequadas. Muitos alunos frequentam as escolas apenas para se alimentarem e mesmo assim, muitas vezes se frustram com a falta de merenda; o transporte “púbico” é uma vergonha, somos obrigados(as) a utilizar ônibus lotados, que demoram a passar, em paradas sem o mínimo de segurança, com o preço da passagem caríssimo e abusivoAZ\X, acima das tarifas nacionais de transporte público; quando ficamos doentes, temos dificuldade em encontrar postos de saúde que funcionem de maneira eficiente, com remédios, médicos(as) e enfermeiros(as) em número que garanta um bom atendimento; Nossas ruas, embora de diferentes localidades, convergem em pontos comuns: lixo por todos os lados e buracos por todas as partes; Vivemos aflitos com a gritante falta de segurança, assaltos e homicídios fazem parte do nosso cotidiano; A juventude ociosa: sem emprego, sem lazer, sem esporte e sem cultura torna-se presa fácil do crime e do tráfico de drogas.

Chegamos a uma situação calamitosa, onde aquele(a) que não têm condições econômicas para comprar e garantir os seus “direitos” estão morrendo antes de ter finda sua existência, pois viver não é apenas acordar a cada dia, mas sim ter uma existência digna e saudável, no gozo de seus direitos fundamentais. Nossos representantes eleitos, tal como a prefeita Micarla de Souza, não se sensibilizam com a degradante situação, pois não se colocam na condição de igual com aqueles(as) que a elegeram, pelo contrário, incorporam o princípio da falsa superioridade e usam da máquina estatal exclusivamente para garantir seus privilégios e interesses particulares, esquecendo ou deixando de lado o bem-estar coletivo. A atual gestão municipal bate rercord em quebra de licitações, troca de secretários e escândalos. Contratos de aluguéis superfaturados, copos descartáveis a preço de louça imperial, lavanderia pública fictícia e zoológico imaginário fazem parte da gama de escândalos rotineiros. 

Por outro lado, no falacioso mundo mágico da borboleta, produzido pela mídia publicitária da prefeitura, arcado com excessivos gastos de dinheiro público, vivemos em uma Natal da fantasia, em que tudo é lindo e maravilhoso, onde toda a população está satisfeita com as suas ações fictícias, uma vez que todos(as) os cidadãos(ãs) têm o pleno acesso a segurança, saúde, moradia, lazer, cultura e educação de qualidade, visto que a prefeita “trabalha aqui e trabalha agora”.

Entretanto, voltando ao mundo real, dos que soam e sangram, dos estudantes, dos trabalhadores(as), daqueles(as) que têm que trabalhar duro para garantir o pão de cada dia, nesse mundo real marcado pelas desigualdades, injustiças e exclusão social à insatisfação do povo natalense com a atual administração municipal cresce de forma exponencial, produzindo um sentimento de revolta e indignação no seio do povo potiguar. Estamos em um momento de intensa reflexão crítica, sobretudo, naqueles(as) que elegeram a atual prefeita no 1ºturno, que agora se perguntam se realmente votaram certo e, se não, como fazer para acabar com esse tormento.

Diante de tamanha incompetência, falta de seriedade, falta de responsabilidade e falta de compromisso com aqueles(as) que a elegeram, surgiu legitimamente o movimento #FORAMICARLA: na luta pela dignidade do povo potiguar, inspirado no espírito do tempo mundial de desmoralização da democracia representativa, as palavras de ordem ecoam tanto aqui como lá no Egito, na Espanha, no Chile, na Grécia e por todo o planeta: “ELES NÃO NOS REPRESENTAM!”

Organizado e articulado, principalmente, pelas redes e mídias sociais, o movimento #FORAMICARLA ganhou força nos ciberespaços e evoluiu rapidamente. De forma irreverente, marcado pela horizontalidade, pluralidade e auto-gestão o Movimento uniu trabalhadores(as), estudantes, apartidários e partidários, socialistas e anarquistas, “istas” e “não istas”, estimulando a construção de uma consciência crítica entre as pessoas, numa militância plenamente pacífica e cidadã. Rompeu significativamente com a apatia e a inércia do povo natalense. A quem diga que para entrar no Movimento “basta um pulo, e quem não pula quer Micarla”.

O #FORAMICARLA de maneira espontânea ganhou as ruas. O primeiro ato aconteceu em frente ao shopping Midway, no dia 25.05.11, superou as expectativas, com aproximadamente duas mil pessoas, mostrou a grande força por parte do Movimento nascido na internet. O segundo ato foi ainda maior, no dia 01.06.11, uma grande marcha num percurso de aproximadamente 10 km com mais de duas mil pessoas pelo asfalto no complexo viário. Já o terceiro foi decisivo, dia 07.06.11, diferente dos atos passados, ocorreu durante o dia, pela manhã, na chuva, com bem menos pessoas, contudo, esse ato gerou um dos episódios mais marcantes da história de luta do nosso povo guerreiro, a ocupação na sede do Poder Legislativo, que ficou conhecida como acampamento “Primavera sem Borboleta”.

Foram 11 dias de muita luta, suor, lágrimas e glórias, provando de fato que a Câmara Municipal é a casa do povo, que quando é preciso o povo vem e fiscaliza. O acampamento tinha como lema “ocupar, resistir e produzir” e era organizado em várias comissões (jurídica, segurança, comunicação, cultura, limpeza, financeira, alimentação e outras). Os primeiros gastos do acampamento quanto alimentação foram custeados pelos próprios acampados, mas rapidamente a sociedade (sobretudo os sindicatos, professores(as), estudantes, trabalhadores(as), MST e MLB) se solidarizou com os companheiros(as) de luta. O objetivo do acampamento na Câmara Municipal de Natal era exigir que os vereadores cumprissem o seu dever constitucional de fiscalizar o Poder Executivo. O #FORAMICARLA exigia como pauta principal uma Comissão Especial de Inquérito limpa e transparente, que não violasse o art. 37 da nossa louvável Constituição Federal de 1988.

Inicialmente, as mídias burguesas com o intuito de dar manutenção aos interesses daqueles que os financiam, tentaram sabotar a todo custo o Movimento #FORAMICARLA, distorcendo e omitindo as informações acerca dos reais acontecimentos do acampamento, chegando até a implantar drogas na ocupação para ferir a reputação do Movimento. Contudo, se os jornais tradicionais são dos políticos e “poderosos”, o twitter e as demais redes sociais são nossas. Não demorou muito para o “Primavera Sem Borboleta” ganhar todo o apoio da população Natalense e repercutir por todo Brasil, ganhado até edição diferenciada em revistas de grande comprometimento com a verdade, tal como a Carta Capital que destacou em sua matéria “Primavera Potiguar” o #FORAMICARLA como um dos movimentos sociais, nascido na internet, mais expressivos do país.

Depois de esgotar todas as possibilidades de usar a repressão e truculência policial com os manifestantes, os vereadores tiveram que ceder após decisão do STJ e assinar acordo com os membros do acampamento na presença do Ministério Público Estadual, OAB e Conselho Estadual de Direitos Humanos, atendendo todas as reinvindicações do Acampamento Primavera Sem Borboleta.

Essa vitória do povo potiguar foi uma simples amostra do poder popular, que mostrou aos descrentes da luta que vale a pena lutar, pois nesse episódio o(a) cidadão(ã) comum provou que também é protagonista de sua história, que fatores condicionantes não são poderes determinantes, que a realidade é essa, mas poderia ser outra bem diferente. Como dizia o grande sábio Paulo Freire: “O futuro não nos faz, nós é que o nos refazemos na luta para fazê-lo”.

A luta, portanto, continua. Mas agora, sabemos na práxis que “o povo unido jamais será vencido”, juntos andamos bem melhor. Nesse momento a Primavera Potiguar encontra-se nos diversos bairros da cidade, ouvindo aqueles que realmente aprendem pelas vias do corpo, sentido todo esse desgoverno na pele. O #FORAMICARLA tem a clareza e a consciência que existem outras lutas a serem travadas, algumas muito mais difíceis que esta na qual estamos engajados, pois não basta tirar Micarla, Paulinho ou Edivan Martins, vai além, a luta é por uma nova sociedade, sobre novos alicerces ideológicos, sem opressores nem oprimidos, em que os homens e as mulheres possam caminhar como iguais que são, e que possam ser respeitados pela condição natural de ser humano portador de dignidade, e não meramente por sua condição econômica como o que está posto hoje.

Nesse sentido, convocamos todos(as) os(as) que sentirem-se contemplados(as) pelas palavras e pelas ações do #FORAMICARLA a juntarem-se a nós, numa militância plenamente cidadã e democrática, na luta por nossos direitos, pela livre expressão de idéias, na denúncia contra as oligarquias, contra qualquer tipo de discriminação, injustiça, exploração e opressão, pois “ATÈ QUE TUDO CESSE, NÓS NÂO CESSAREMOS”.

Atenciosamente,

Gregório Bezerra Silva

Graduando do 5º período de Direito na UFRN
Coordenador de Articulação Política do Centro Acadêmico Amaro Cavalcante
Membro do programa em direitos humanos Lições de Cidadania.