segunda-feira, 26 de setembro de 2011

MEMÓRIAS DE UMA PRIMAVERA SEM BORBOLETA

Originalmente publicado em 22 de setembro de 2011, no jornal FOQUE
Texto por Enoque Vieira, historiador e boêmio do Beco da Lama.

“A memória é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento”*

TAL qual uma primavera alongada, assim foi o acampamento Primavera sem Borboleta.

Primavera alongada porque no tempo normatizado; aquele tempo preso às normas, às regras e aos ditames daqueles que o administram; a primavera, um dos espaços temporais que divide o ano em quatro partes, estava ainda distante; na época em que aconteceu o acampamento Primavera sem Borboleta se vivia o clima do frio e chuvoso inverno que assolaria a cidade nos meses vindouros.

Mas, convenções à parte, aquele histórico dia sete de junho do sagrado ano de dois mil e onze; aqui se menciona, mesmo sem querer, mais uma convenção temporal; um grupo de pessoas, em sua imensa maioria jovens, ocupou a sede do poder legislativo municipal da cidade do Natal.
A ocupação terminou por gerar uma ruidosa repressão articulada pelos vereadores aliados da chefe do poder executivo, repressão essa que tinha, tão somente, o sentido único de blindar a prefeita Micarla de Souza.

Aquele grupo de pessoas, que naquele momento era bem pequeno; pois, naquela manhã a  chuva não deu tréguas; não se intimidou com a densa enxurrada que parecia querer não parar, e organizadamente, pacificamente, ordeiramente e alegremente tomou as ruas da cidade, enchendo-as de cores, sons e alegrias; ecoando palavras de ordem, ou de desordem como afirmavam alguns, que denunciavam o deszelo da prefeitura, cantigas tais como: “quem não pula quer Micarla”, motivando tod@s a pular; ou “quem não não se molha quer Micarla”, fazendo alusão à densa enxurrada que molhava o cortejo, ou ainda, uma palavra de ordem no mínimo complicada de se cantar, que dizia: “olha a leptospirose”, criação de um companheiro que ao pisar nas poças de água, formadas nos buracos da cidade, lembrou da doença transmitida pelos ratos. 

A tomada da via pública na urbe burguesa é um afronto aos que se consideram don@s da cidade**. No entanto, essas vias foram tomadas por aquela juventude, e, desde a Praça Cívica, recanto histórico da burguesia natalense, até a câmara de vereadores, o cortejo da liberdade, da ética e da justiça marchou fluentemente pela Rua Trairi, Avenida Deodoro da Fônseca, Rua Apodi, Avenida Rio Branco, beco do Banco do Brasil, Avenida Junqueira Aires, Rua Ulisses Caldas, mais uma vez a Deodoro e por fim a Rua jundiai onde fica o edifício da câmara de vereadores.Todo esse percurso foi vencido debaixo de muita chuva, de ações hostis vindas de gente contratada e paga para apedrejar aqueles que lutavam contra os desmandos e desgovernos da administração municipal, e, acima de tudo, debaixo de muita alegria, irreverência, espírito criativo e desejo de viver em uma cidade aonde tod@s; sem distinção de cor, raça, credo, gênero ou filiação política; pudessem vivê-la em toda a sua plenitude.

O desejo de retomar a cidade para o seu povo, arrancá-la das garras daqueles que dela se apropriaram, e a crença de que, no futuro, a nossa cidade não mais estará sob as ordens de Micarla de Souza e seu exército de desmandos, fizeram com que aqueles atrevidos jovens decidissem acampar na câmara e passasse a exigir a instalação de uma Comissão Especial de Investigação que tivesse como fim um relatório isento das influências funestas do executivo municipal.

Aquela manhã chuvosa, de uma convencional terça-feira, não foi comum para aquele grupo, foi um dia explosivo, de uma explosão lenta e, por essência, gradual, cumulativa e, no seu fim, vitoriosa. 
O acampamento teve início com uma pequena barraca azul que foi chantada em pleno pátio interno do belo edifício do legislativo municipal, pontapé inicial que culminaria com mais de trinta barracas armadas e ocupadas por mais de cem acampados. 

A Câmara de Vereadores de Natal, internamente, se assemelha a um grande teatro; e foi nesse ambiente que por onze dias o agrupamento de jovens se avolumou, armando barracas de coloridos matizes, organizando ruas e bairros, expondo  símbolos e construindo um espaço público e coletivo onde eram realizadas atividades lúdico-recreativas e, principalmente, plenárias públicas, que eram denominadas de audiências populares. 

As decisões, tomadas coletivamente depois de exaustivos debates, fizeram do acampamento Primavera sem Borboleta um mundo particular, uma experiência política única, uma vivência humana tal que viria a marcar, feito tatuagem, os corações e as mentes daquelas pessoas.

O lugar, o pátio interno da câmara de vereadores, que, como já foi mencionado, tem a aparência de um teatro, foi palco de ações políticas, artísticas e culturais que marcariam a história da cidade do Natal. Ações essas protagonizadas por jovens que defendiam as mais diferentes linhas de pensamento, mas que tinham como elo principal a luta contra o desgoverno da prefeita e de seus incompetentes assessores.

Os primeiros dias foram tempos de tensão, as tentativas de marginalizar o movimento, feitas por Micarla de Souza e seu exécito, motivaram no coletivo uma organização ainda mais coesa, criando laços de confiança e respeito que perduraram durante todo o período da ocupação do prédio.
Vencida a tensão, o pátio da Câmara de Vereadores de Natal tornou-se o locus de vivência de todo aquele coletivo; que, ciente da importância daquela ação, deu início a um estilo de convivência onde a solidariedade, a fraternidade e o amor eram vividos em toda a sua essência. Vivência essa, que permitia com que o cansaço que abatia os corpos tensos fosse diminuído pelo carinho coletivo e pelos abraços e sorrisos que partiam de tod@s e eram compartilhados por tod@s em todos os momentos.

Alegres eram as partidas de peteca, quando, em círculo, ao centro do pátio, jogando a peteca para o alto, em revezamento, contava-se até o sétimo lance para então, numa ação enérgica, lançar vertiginosamente em direção à pessoa mais desatenta o pequeno objeto, que ao alcançá-la permitia com que, tal pessoa, aguçasse sua atenção e retomasse o seu vigor.

Presença marcante fez o coletivo do Pau e Lata, grupo musical, percussivo-político, que, tirando música de instrumentos pouco convencionais como tambores de plástico e latas, deu o tom musical do acampamento, sonorizando estrondosamente o ambiente com o intuíto de expulsar a famigerada borboleta que se aboletou, inadvertidamente, no centro do poder municipal. As tocadas percussivas do Pau e Lata, organizadas sempre em círculos, ecoavam por todo o pátio da Câmara e, encontrando barreira nas paredes do edifício, ascendia aos céus, até alcançar os ventos cíclicos que as fizessem ecoar pela cidade, levando, em ondas magnéticas, um sonoro #FORAMICARLA. 

Enquanto o som estrondoso do Pau e Lata ecoava pela cidade; no pátio da Câmara municipal o acampamento inteiro dançava freneticamente e cantava vociferamente cantigas que enalteciam a sua luta de resistência. Músicas de letras simples que permitiam a participação de tod@s na formação de um grande coral, músicas, que, quando cantadas, fazia aflorar  um grande coletivo vocal capaz de fazer ecoar palavras, mas não simples palavras, e sim palavras cantadas que se revelavam com a mais intensa emoção. E, sob a batuta do maestro que regia a batucada do Pau e Lata, o coral dava início às canções, uma delas conclamava a tod@s que vinham prestar solidariedade aos acampad@s dizendo, em rítmo de ciranda e dançada em círculo, “companheiro me ajuda/ Que eu não posso andar só/ Eu sozinho ando bem/ Mas com você ando melhor”, essa letra era repetida inúmeras vezes, cantada em muitas vozes e ouvida por centenas de pessoas que se emocionavam com a força que ela evocava, vislumbrando a união e fazendo com que tod@s, de mãos dadas, cirandassem por todo o pátio.

Uma outra canção, essa de forte apelo afirmativo, cantada a cada vitória que o acampamento veio a ter, e que também falava de união e fortaleza, fazia vibrar o pátio do legislativo municipal, com pisadas fortes e ligeiras, ecoando em uníssona voz, “Pisa ligeiro/ Pisa ligeiro/ Quem não pode com a formiga/ Não assanha o formigueiro”, fazendo, nos jardins do belo edifício, surgir um imenso formigueiro humano disposto, em pleno tempo chuvoso, a carregar para as profundezas da terra o corpo inerte da maléfica borboleta.

O amanhecer no acampamento, no início muito tenso, foi com o passar dos dias se tornando manso, até alcançar a paz do acordar ao som da flauta, numa melodia matinal capaz de fazer levantar o sol para tod@s e expulsar todos os ratos da cidade.

E, se tod@s estavam em um teatro, ou em um espaço arquitetonicamente teatral, o acampamento se tornou cena, e, em cena ação, o Primavera sem Borboleta firmou-se, então, tal qual uma luta dos oprimidos contra a opressão dos poderosos, revivendo o ensinamento de Augusto Boal, convencendo-se da importância da luta e da resistência do povo contra o motor repressivo dos conservadores de plantão. 

O Teatro do oprimido, tal qual concebia Boal, foi vivenciado, experimentado, aprendido, provocando n@s integrantes do acampamento o desejo de resistir a toda e qualquer opressão que, por ventura, pudesse partir d@s poderos@s.

Renovad@s pelo debate suscitado pela apresentação teatral realizada no pátio da Câmara de vereadores pelos companheir@s que participaram da oficina de Teatro do oprimido, @s acampad@s decidiram então tramar a sua luta de resistência. 

A paz, que invadia o coração de tod@s, fazia fluir pensamentos que afirmavam ser o amor e as coisas simples bem maiores do que qualquer forma de opressão. Receber @s companheir@s do MST e do MLB, com flores brancas no roll de entrada do edifício do legislativo municipal, foi de uma emoção tamanha, somente comparável com o sentimento de quem estava ao lado, empunhando crisântemos brancos, chorando, sorrindo e cantando; tendo a certeza de que não estava só e que muitos companheir@s se somavam à luta contra a opressão fustigada pelo poder municipal.

Interessante foi encontrar as pessoas que participavam de numa maratona de saúde e competição que, cursando a Avenida Campos Sales, em frente ao edifício da Câmara, instigou a tod@s, a mais um momento de criação, era a hora de propor uma nova palavra de ordem que bradava de forma cômica: “Quem não corre quer Micarla”, e, como tod@s que estavam na maratona corriam no afã de  atingir a faixa de chegada que estava próximo ao Atheneu norte-riograndense, tod@s que estavam na corrida, sem querer, se juntavam aos companheir@s acampad@s, que ao  penetrarem na maratona corriam, carregando adereços, bradando a palavra de ordem e se divertindo com @s maratonistas que vibravam e aplaudiam @s acampad@s.

Envolver a tod@s da cidade, no mundo globalizado, tornou-se uma necessidade, e, enquanto a mídia local noticiava sobre o fato, sendo, em alguns muitos casos, complacente com @s poderos@s, a twitter cam do @xôinseto transmitia para o mundo inteiro, em tempo real, todo o acontecimento. Fiel ao conceito de mídia independente e classista, o twitter @xôinseto anunciava,  para todos os cantos, as ações e emoções de tod@s acampad@s. Foram horas e horas de transmissão ininterrupta, captando a essência da luta de resistência, do modelo de organização popular do movimento, realçando falas, enaltecendo palavras de ordem que afirmavam a firmeza de resistir, e fazendo ecoar vozes cansadas em gritos roucos que diziam: “até que tudo cesse, nós não cessaremos”. E ninguém cessou.

Apesar da leitura tosca da mídia borboleteante, da injustiça do pleno do Tribunal de justiça do estado, de parte do mundo lá fora alheio a tudo o que estava acontecendo, a luta continuou, e teve como aliados muitos companheir@s jornalistas comprometidos com o fim da opressão, que documentaram, em escrita e em imagem, todos os momentos vividos pel@s acampad@s.

O ápice do acampamento Primavera sem Borboleta ocorreu no momento de maior tensão, quando, à espera pelo resultado da ação que transcorria no STJ, ação essa acionada pel@s companheir@s do curso de Direito da UFRN, integrantes do programa Lições de Cidadania; visto que a decisão do pleno do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, espécie de elite do judiciário do estado, havia sido negativo para @s acampad@s; tod@s, apreensiv@s, vislumbrando uma possível invasão policial no intuito de acabar com o acampamento no edifício da Câmara de vereadores, sentaram-se ao chão, em círculos, enlaçando braços, mãos e pernas, construindo uma mandala humana com mais de cem pessoas, numa posição de defesa coletiva capaz de evitar a opressão das forças policiais, tendo na sacada, no primeiro andar do prédio, o grupo Pau e Lata que, voltado para a mandala, iria tocar o Hino Nacional Brasileiro com o intuito de impedir que os policiais avançassem contra os acampad@s. 

Era dia de casa cheia, pois muita gente fora convidada pelas redes sociais para prestar solidariedade ao acampamento. E, com a resistência organizada, ao cair da noite chegou o resultado da decisão do STF. O resultado foi favorável @s acampad@s produzindo então uma grande festa no pátio do prédio da Câmara que perdurou por quase toda a noite, um gozo coletivo, um gosto de vitória sentido por todas as papilas gustativas existentes nas mentes de tod@s, e tal qual uma turba pacífica, os acampad@s dançaram ao som da batucada do Pau e Lata, cantando incansavelmente: “Pisa ligeiro/ Pisa ligeiro/ Quem não pode com a formiga/ Não assanha o formigueiro”, transformando o pátio do legislativo municipal no mais representativo formigueiro humano que aquele prédio já conheceu.

Entre luta e arte é indubitável afirmar que o acampamento Primavera sem Borboleta inaugurou uma nova forma de fazer política em Natal, extravasando o convencional, expondo a arte em favor da luta do povo e criando um vínculo de amor entre tod@s que, com certeza, o tempo, que foi testemunha, terá dificuldade de colocá-lo no esquecimento.

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*Bosi, Ecléia. Memória e sociedade, 1994.
**ROLNIK, Raquel. O que é cidade, 1988.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Para onde anda o movimento “Foramicarla”: reformista ou revolucionário?



Texto por Davide Giacobbo Scavo, professor de Ciências Sociais da UFRN

Vivemos uma época histórica. Um tempo de luta que marcará o nosso amanhã. O 2011  é repleto de manifestações populares que expressam uma grave doença mundial. Começou-se com as revoltas árabes em Tunis e Cairo, passando sucessivamente para Atenas, Madrid, Barcelona, Paris Santiago do Chile, Londres. O que está acontecendo? Por que massas estão enfurecidas, lutando sem temer a repressão violenta do Estado?

O capitalismo vive uma crise estrutural, apresentando depressões cíclicas de superprodução sempre mais frequentes, taxas de lucro decrescentes, amedrontadores déficits públicos, esgotamento dos recursos naturais. Não é apenas uma crise do modelo neoliberal, mas um colapso do sistema capitalista, com características depressivas e recessivas.

Uma crise econômica e política, aparecendo em todo o mundo evidentes sintomas de esgotamentos, fissuras profundas que afetam a legitimidade e a eficácia da democracia liberal, que sempre mais frequentemente aceita a exclusão social e o empobrecimento massivo em nome do eficientismo econômico, sacrificando os originários valores democráticos no altar do mercado, relegando o povo à quase passividade, possibilitando o uso de sua “soberania”, de tempos em tempos - no momento da eleição -, escolhendo entre as opções que lhe são apresentadas pelas elites organizadas.

Um capitalismo ferido que reage ferozmente, tentando de tudo para sobreviver. Estão retirando progressivamente direitos sociais conquistados com decênios de luta e sangue, transformando as nossas vidas em mercadoria em um processo de privatização do público e publicização do privado. O FMI se tornou referencia nas políticas econômicas, impondo corte nas políticas sociais, privatizando todas as esferas da vida humana, impondo lógicas de desemprego generalizado, cancelando acordos previamente firmados com sindicados, privatizando o patrimônio público, cortando aposentadorias, buscando desacreditar a política e tudo o que é público, representados como esferas dominadas pela ineficiência, pela corrupção e por um ingênuo romantismo.

A situação em que vivemos dificilmente poderia ser mais contraditória do que já é. Um presente obscuro e indefinido, onde os modelos de substituição tardam a surgir no horizonte das sociedades contemporâneas, onde, parafraseando Antonio Gramsci, “o velho não acaba de morrer e o novo não acaba de nascer”.

Porém algo se move. Enchem-se ruas e praças do mundo capitalista, jovens e aposentados lutam conjuntamente, abrindo uma época de intensas mobilizações de massas.

Neste panorama de confronto, o que acontece na sonolenta cidade de Natal? Aqui se luta também. O movimento popular “#ForaMicarla” forneceu um grande exemplo de democracia, pluralidade, diversidade, um interessante laboratório de propostas políticas em oposição aos governantes que decidiram isolar-se do povo, em nome de governabilidade e que agora vivem sempre mais em baixa, reclusos e assediados pelo povo.

Qual é o potencial e o limite do “Foramicarla”? É um movimento reformista, interessando na luta eleitoral ou é um movimento revolucionário, comprometido com os excluídos, os perdedores, os sem nada?
Sem uma critica ferrenha a um modelo econômico centrado no lucro, sem a transformação radical das relações de poder, sem trabalho de base nas periferias, nunca construiremos formas de poder alternativo, nunca haverá democracia em Natal. Precisamos lutar para uma democracia mais viva, mais forte, mais audaz, radical, profunda e participativa, não podendo fugir do conflito de classes e da exploração do trabalho, ou seja, das injustiças que o modelo de democracia capitalista vive não seu interno e que impedem a sua expansão.

Para não correr os erros cometidos pela “mal chamada esquerda”, hoje governista, sempre mais reclusa na luta parlamentar, precisamos buscar uma verdadeira mudança que depende da auto-organização popular, social e política. É importante que o movimento “#FormaMicarla” seja a expressão da grande massa excluída. O motor da mudança passa por baixo, por os excluídos, os desempregados, os moradores das favelas, os sem casa, os sem terra, os não consumidores.

“#ForaMicarla” nasceu na Universidade, representando uma resposta popular ao descanso de uma administração vergonhosamente comprometida com as elites econômicas que dominam a cidade de Natal. Agora o movimento não pode parar, tem o compromisso moral de sair da Universidade e ocupar as periferias, é preciso ganhar a população, criticando a hegemonia ideológica e o controle político do capital, rompendo com as políticas neoliberais, incorporando no seu interno os movimentos sociais, os trabalhadores explorados, os povos das periferias. A participação popular é indispensável para o crescimento do movimento, incentivando a luta contra os nossos verdadeiros inimigos: a classe capitalista e seu projeto de dominação econômico, político, ideológico. A emancipação da classe subordinada e sua verdadeira inclusão se dá em um processo democrático de luta, quando a grande massa tem a oportunidade de tomar as decisões sobre o seu próprio destino em um processo de autodeterminação popular. “#ForaMicarla” não pode ficar restrita à esfera pública, precisamos ir além, operando no econômico, no social, no ideológico, agindo nos lugares de produção, modificando as relações desiguais entre o proprietário dos meios de produção e o trabalhador dono da força de trabalho, democratizando o acesso aos meios de informação.

A luta de #ForaMicarla, suas manifestações, seus protestos, suas ocupações representam a escola da democracia. A práxis do movimento ação é fundamental pela tomada de consciência, sendo ação e conscientização dialeticamente inseparáveis. Quanto mais a massa se auto organiza e age mais se conscientiza. Quanto mais se conscientiza, mais age. Quanto mais os explorados se organizam e lutam mais se conscientizam. A democracia só pode existir a partir de uma experiência concreta de luta, só através a ação é possível transformar a sociedade e transformar a si mesmos.

O movimento “#ForaMicarla” tem a obrigação de lutar junto aos excluídos, protagonizando e organizando um bloco de forças alternativo e estruturado, buscando uma sociedade mais justa e solidaria, incorporando as experiências dos movimentos sociais, indígenas, camponeses, negros, mulheres e ambientalistas. Uma luta que se deve desenvolver cotidianamente abaixo da superfície, como toupeira que opera dia a dia, hora a hora, com o aporto fundamental  da práxis revolucionaria da massa popular que representa hoje o fator decisivo, a rocha sobre a qual será edificado o socialismo.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Acompanhando a CEI dos Contratos


Aos cinco dias deste mês de setembro, a juventude de Natal se organizou através das redes e mídias sociais para apresentar uma pauta de reinvindicações aos vereadores e protestar contra manobras políticas que visam obstaculizar as investigações da CEI dos contratos administrativos da gestão Micarla de Sousa.


O que ocorreu foi um protesto pacífico e bem humorado, que utilizou a mística e o lúdico como um instrumento político. Manifestantes armaram barracas às portas da CMN para lembrar os onze dias de ocupação que acarretaram o estabelecimento de investigações, realizaram um sepultamento simbólico da gestão municipal, entoaram palavras de ordem.



Ocorre que o livre trânsito de populares nas dependências da Câmara Municipal de Natal foi proibido, ao arrepio das normas Constitucionais que garantem a livre manifestação de pensamento. Ainda mais, os manifestantes foram ofendidos por a guarda legislativa e por sua chefia, um tenente coronel da polícia militar.

Manifestantes chegaram a ser mantidos em cárcere privado nas dependências da casa, enquanto do lado de fora outro grupo se recusou a protocolar a pauta de reinvidicações em qualquer lugar senão a casa do povo, a Câmara de Vereadores.


Tais fatos ocorreram no dia em que o Ministério Público abriu investigações sobre um escandaloso contrato de aluguel efetuado pela gestão municipal, que teve uma licitação direcionada (único imóvel na região capaz de cumprir com os requisitos do certame licitatório), e que beneficiava parceiros políticos da Prefeita.

Após mais de quatro horas de espera, com a intermediação da Ordem dos Advogados do Brasil e de entidades de direitos humanos, os manifestantes conseguiram protocolar as suas reinvindicações, no pátio da Câmara Municipal.

Os manifestantes não temem a opressão, e sentem bastante prazer em incomodar a incompetente gestora, assim como seus inoperantes aliados na Câmara Municipal. “Até que tudo cesse, nós não cessaremos!”.

A seguir transcreve-se a pauta de reivindicações:

“Natal, 05 de Setembro de 2011

O Movimento #FORAMICARLA vem a público, a Câmara Municipal e aos vereadores e vereadoras integrantes da CEI apresentar uma pauta de reivindicações a respeito do andamento da CEI dos Contratos instalada a partir do acampamento #PRIMAVERASEMBOBOLETA.

- Calendário com as reuniões da CeI divulgado ampla e publicamente;
- Reuniões abertas à população;
- Transmissão das reuniões da CEI pela TV Câmara;
- Audiências públicas mensais para a apresentação de relatório com o avanço das investigações da CEI;
- Realização de uma audiência pública com o Ministério Público a respeito da documentação entregue pela Prefeitura Municipal do Natal;
- Autorização da entrada d@s integrantes do #ForaMicarla que estiverem com seus cadastros no banco de dados da Câmara, como todo e qualquer cidadão, para que assim não ocorra como sempre, os atos de truculência da Guarda Legislativa Municipal, sob o comando de um tenente coronel da PM (João Nogueira) que demonstra-se totalmente despreparado para o exercício da função.

E comunicamos que a partir deste momento nós também estaremos “desenterrando” a Operação Impacto e solicitamos a atenção e compromisso de tod@s com a justiça e combate a corrupção em nosso município.

Documento encaminhado à:

Júlia Arruda, Sargento Regina, Júlio Protásio, Chagas Catarino e Adenúbio Melo

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

EDIS, PRO PUDOR!


      Vereadores, ó vergonha! Ó vergonha era uma exclamação muito usada antigamente, desde as calendas lunares do judaísmo. Nos tempos dos profetas, do dilúvio, em que barco era conhecido como arca e vergonha significava vestimenta.
       Hoje, cada vez mais curta, a vestimenta vai perdendo a sua originalidade pudenda, dando lugar a impudicícia. A nudez destaca-se eroticamente por entre minúsculas indumentárias, muitas vezes, deixando a desejar ao menor senso estético.
       Barrigas de pantagruéis escorregam pesadamente sob pequenas blusas. Fartos seios, de tão apertados, parecem querer explodir, tendo à mostra os mamilos à meia lua. Quando não, corpos lazarinos, digamos, esteticamente delgados, de proporcionadas protuberâncias, bem marcadas por roupas ajustadíssimas, parecendo éguas encilhadas, com o rabicho a roçar-lhes o fundilho e a rabichola a acariciar-lhes as coxas.
       Esse vestir que se transformou em moda é tido como de pouca vergonha. E o vestir dos representantes municipais na Câmara?  Na casa do revolucionário de 1817, Padre Miguelinho, cuja vida foi sacrificada em defesa da honra? É do mais alto rigor e compostura, da mais nobre decência inglesa. Tudo de acordo com a etiqueta exigida pelo regimento interno da Casa, para a ilustríssima função, cujo vestuário deve assemelhar-se em pureza, ao das vestais: virgens guardiãs do templo de Afrodite, a deusa do amor.
       Segundo a história, uma vestal, após o assassinato do imperador Júlio César, recusou tentadoras propostas dos assassinos do imperador, dentre eles, o seu enteado e senador, Brutus, para que ela não revelasse o nome do sucessor de Júlio César, seu sobrinho Otávio.
       Por acaso, há vestais na casa do povo? Pitonisas sei que as há. E que pitonisas! Ó vergonha! Não amealham para o Templo, mas, para suas bolsinhas.
       Os edis devem vestir-se com a metáfora hebraica do vestir; isto é: da vergonha e imbuir-se da honradez que a nobre função lhes confere. Deixem a pouca vergonha com as libidinosas “éguas” e a sem-vergonheza com os contumazes amigos do alheio, bem longe da egrégia casa do povo.
    

Edilson Freire Maciel
Articulista

Tragédia, Políticos e Política

Tragédia, Políticos e Política

          O nosso idioma tem uma forte influência greco-latina, a palavra tragédia advém do grego, tragói, canto de bode que significa algo agourento, catastrófico, muito ao gosto dos antigos gregos, cujo grande expoente foi o filósofo Sófocles.
          Confúcio, o que mais almejava era conhecer o verdadeiro significado das palavras, isto é, a sua etimologia. Nietzsche e Shopenhauer, filósofos alemães, dedicaram-se a esse estudo. O primeiro, no seu livro “Genealogia da Moral”, relaciona a palavra nobre a “verídicos”.
Assim designava-se a nobreza grega, significando alguém que é real, verdadeiro, em oposição ao homem “embusteiro” da plebe. Já o segundo, no seu livro a “Arte de Escrever” faz severas críticas aos intelectuais que desconhecem as línguas antigas.
           A palavra político, de etimologia grega, significa demagói, demagogo, mentiroso. Tem sua origem histórica greco-latina na Ágora e no Parlatore, com o surgimento das novas técnicas do discurso socrático, o sofismo a arte de argumentar a meia verdade.
           Demóstenes, em sua luta contra os demagogos, pede ao povo ateniense que se aprimore, para melhorar o estilo dos oradores. Talvez tenha sido por isso que Niestsche reservava respeito por aqueles que punham a sua vida em risco, em nome de um ideal.
           Da política, dizia Karl Popper, a lógica é o discurso. Foi Platão quem definiu a essência do discurso entre episteme e a doxa. Episteme é o discurso erudito com embasamento científico, a doxa é o discurso do senso comum, simplório, empolgante, e de apelo sentimental.
           Geralmente na política da doxa, os discursos, a publicidade política está desvinculada da história das lutas sociais e políticas de um povo.
É muito comum essas ideias serem focadas em propostas vagas de esperança, renovação, responsabilidade, transparência, etc; enquanto nada disso acontece, as nossas fauna e flora política convivem tranquilamente num rico e verde, muito verde, verdejante jardim.
         Estamos muito longe de alcançar a lição de Demóstenes, ou de superar o paradigma bismarkeano, de que a política é a arte do possível.
         Só nos resta a certeza do Bhagavad-Gita: como as borboletas se precipitam na flama brilhante, assim os homens correm para a sua perdição.


Edilson Freire Maciel
Articulista.