quinta-feira, 22 de setembro de 2011
Para onde anda o movimento “Foramicarla”: reformista ou revolucionário?
Texto por Davide Giacobbo Scavo, professor de Ciências Sociais da UFRN
Vivemos uma época histórica. Um tempo de luta que marcará o nosso amanhã. O 2011 é repleto de manifestações populares que expressam uma grave doença mundial. Começou-se com as revoltas árabes em Tunis e Cairo, passando sucessivamente para Atenas, Madrid, Barcelona, Paris Santiago do Chile, Londres. O que está acontecendo? Por que massas estão enfurecidas, lutando sem temer a repressão violenta do Estado?
O capitalismo vive uma crise estrutural, apresentando depressões cíclicas de superprodução sempre mais frequentes, taxas de lucro decrescentes, amedrontadores déficits públicos, esgotamento dos recursos naturais. Não é apenas uma crise do modelo neoliberal, mas um colapso do sistema capitalista, com características depressivas e recessivas.
Uma crise econômica e política, aparecendo em todo o mundo evidentes sintomas de esgotamentos, fissuras profundas que afetam a legitimidade e a eficácia da democracia liberal, que sempre mais frequentemente aceita a exclusão social e o empobrecimento massivo em nome do eficientismo econômico, sacrificando os originários valores democráticos no altar do mercado, relegando o povo à quase passividade, possibilitando o uso de sua “soberania”, de tempos em tempos - no momento da eleição -, escolhendo entre as opções que lhe são apresentadas pelas elites organizadas.
Um capitalismo ferido que reage ferozmente, tentando de tudo para sobreviver. Estão retirando progressivamente direitos sociais conquistados com decênios de luta e sangue, transformando as nossas vidas em mercadoria em um processo de privatização do público e publicização do privado. O FMI se tornou referencia nas políticas econômicas, impondo corte nas políticas sociais, privatizando todas as esferas da vida humana, impondo lógicas de desemprego generalizado, cancelando acordos previamente firmados com sindicados, privatizando o patrimônio público, cortando aposentadorias, buscando desacreditar a política e tudo o que é público, representados como esferas dominadas pela ineficiência, pela corrupção e por um ingênuo romantismo.
A situação em que vivemos dificilmente poderia ser mais contraditória do que já é. Um presente obscuro e indefinido, onde os modelos de substituição tardam a surgir no horizonte das sociedades contemporâneas, onde, parafraseando Antonio Gramsci, “o velho não acaba de morrer e o novo não acaba de nascer”.
Porém algo se move. Enchem-se ruas e praças do mundo capitalista, jovens e aposentados lutam conjuntamente, abrindo uma época de intensas mobilizações de massas.
Neste panorama de confronto, o que acontece na sonolenta cidade de Natal? Aqui se luta também. O movimento popular “#ForaMicarla” forneceu um grande exemplo de democracia, pluralidade, diversidade, um interessante laboratório de propostas políticas em oposição aos governantes que decidiram isolar-se do povo, em nome de governabilidade e que agora vivem sempre mais em baixa, reclusos e assediados pelo povo.
Qual é o potencial e o limite do “Foramicarla”? É um movimento reformista, interessando na luta eleitoral ou é um movimento revolucionário, comprometido com os excluídos, os perdedores, os sem nada?
Sem uma critica ferrenha a um modelo econômico centrado no lucro, sem a transformação radical das relações de poder, sem trabalho de base nas periferias, nunca construiremos formas de poder alternativo, nunca haverá democracia em Natal. Precisamos lutar para uma democracia mais viva, mais forte, mais audaz, radical, profunda e participativa, não podendo fugir do conflito de classes e da exploração do trabalho, ou seja, das injustiças que o modelo de democracia capitalista vive não seu interno e que impedem a sua expansão.
Para não correr os erros cometidos pela “mal chamada esquerda”, hoje governista, sempre mais reclusa na luta parlamentar, precisamos buscar uma verdadeira mudança que depende da auto-organização popular, social e política. É importante que o movimento “#FormaMicarla” seja a expressão da grande massa excluída. O motor da mudança passa por baixo, por os excluídos, os desempregados, os moradores das favelas, os sem casa, os sem terra, os não consumidores.
“#ForaMicarla” nasceu na Universidade, representando uma resposta popular ao descanso de uma administração vergonhosamente comprometida com as elites econômicas que dominam a cidade de Natal. Agora o movimento não pode parar, tem o compromisso moral de sair da Universidade e ocupar as periferias, é preciso ganhar a população, criticando a hegemonia ideológica e o controle político do capital, rompendo com as políticas neoliberais, incorporando no seu interno os movimentos sociais, os trabalhadores explorados, os povos das periferias. A participação popular é indispensável para o crescimento do movimento, incentivando a luta contra os nossos verdadeiros inimigos: a classe capitalista e seu projeto de dominação econômico, político, ideológico. A emancipação da classe subordinada e sua verdadeira inclusão se dá em um processo democrático de luta, quando a grande massa tem a oportunidade de tomar as decisões sobre o seu próprio destino em um processo de autodeterminação popular. “#ForaMicarla” não pode ficar restrita à esfera pública, precisamos ir além, operando no econômico, no social, no ideológico, agindo nos lugares de produção, modificando as relações desiguais entre o proprietário dos meios de produção e o trabalhador dono da força de trabalho, democratizando o acesso aos meios de informação.
A luta de #ForaMicarla, suas manifestações, seus protestos, suas ocupações representam a escola da democracia. A práxis do movimento ação é fundamental pela tomada de consciência, sendo ação e conscientização dialeticamente inseparáveis. Quanto mais a massa se auto organiza e age mais se conscientiza. Quanto mais se conscientiza, mais age. Quanto mais os explorados se organizam e lutam mais se conscientizam. A democracia só pode existir a partir de uma experiência concreta de luta, só através a ação é possível transformar a sociedade e transformar a si mesmos.
O movimento “#ForaMicarla” tem a obrigação de lutar junto aos excluídos, protagonizando e organizando um bloco de forças alternativo e estruturado, buscando uma sociedade mais justa e solidaria, incorporando as experiências dos movimentos sociais, indígenas, camponeses, negros, mulheres e ambientalistas. Uma luta que se deve desenvolver cotidianamente abaixo da superfície, como toupeira que opera dia a dia, hora a hora, com o aporto fundamental da práxis revolucionaria da massa popular que representa hoje o fator decisivo, a rocha sobre a qual será edificado o socialismo.
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